Ao organizar a coletânea "O Novo Jornalismo", em 1973, Tom Wolfe deu nome a uma nova forma de fazer reportagens
Ao organizar a coletânea "O Novo Jornalismo", em 1973, Tom Wolfe deu nome a uma nova forma de fazer reportagens | Foto: Fernando Leon/ AFP/ Getty Images



O norte-americano Tom Wolfe, um dos maiores nomes da imprensa de seu país, e criador do termo 'new journalism', o novo jornalismo, morreu na última segunda-feira (15), em Manhattan, Nova Iorque. Ele estava internado para se tratar de uma infecção, segundo sua agente, Lynn Nesbit, vindo a falecer aos 88 anos. Um de seus principais livros é "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico" (1993). "O que ficou dos anos 60 como narrativa, como documento vivo, do que era a essência, vamos dizer, da contracultura hippie é esse livro do Tom Wolfe", diz Silvio Demétrio, professor de jornalismo da UEL (Universidade Estadual de Londrina)e Doutor na mesma área pela ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). O que mais impressiona é que o jornalista norte-americano, conhecido por ser um dândi, ou seja, uma pessoa de bom gosto e senso estético aguçado - no caso do escritor, marcado pelos ternos brancos que sempre vestia - é também o autor de uma obra marcante do movimento hippie. "Ele simplesmente fez jornalismo", destaca o professor.

Nascido em Richmond-EUA, em 1930, Wolfe morava em Nova Iorque desde 1962. Formado em Direito - nos Estados Unidos as universidades têm uma forte tradição de jornais universitários independentes e, por isso, não é incomum que profissionais do jornalismo não sejam formados especificamente na área - Wolfe se mudou para a cidade, que foi sua residência até sua morte, para trabalhar no "The New York Herald Tribune".

Segundo Demétrio, grandes nomes da literatura norte-americana como o poeta Walt Whitman e o escritor Edgar Allan Poe tiveram passagens pelo jornalismo, afinal, esses dois universos são muito próximos nos Estados Unidos. Por isso, o novo jornalismo "nasce" entre as décadas de 50 e 60, mas tem raízes muito mais antigas. Apesar de crescer nessa época, é somente em 1973, na coletânea "O Novo Jornalismo", de Tom Wolfe, que ele recebe esse nome. Nessa obra, o escritor norte-americano reúne a obra de autores como Truman Capote, Hunter S. Thompson, Gay Talese, Norman Mailer e a dele próprio, todos praticantes desse tipo de "jornalismo com valor literário", e escreve o prefácio que ainda hoje é estudado como a "definição de 'new journalism'", de acordo com o professor.

Tom Wolfe no Kennedy Space Center, na Flórida, em 1979, tendo ao fundo a base do lançamento da Apolo 17
Tom Wolfe no Kennedy Space Center, na Flórida, em 1979, tendo ao fundo a base do lançamento da Apolo 17



Apesar de Wolfe ter nomeado esse estilo, o perfil de Marlon Brando para a revista "The New Yorker", escrito por Truman Capote em 1956, é considerado um dos precursores do gênero. Outra obra sua, "A Sangue Frio" (1966), é referência no gênero ao narrar a história do assassinato da família Clutter, no interior dos EUA.

"New journalism' é basicamente um movimento no qual há uma experimentação estético-literária no jornalismo. Uma das coisas mais legais que a gente tem nesse gênero é que o jornalismo não precisa ser uma coisa que tenha aversão à criação", define Demétrio. "O que aprendemos na escola de jornalismo é que o jornalista não pode inventar as coisas, os fatos, as narrativas... ele não pode mentir. Agora, isso não significa que ele não possa ser criativo", explica.
Dessa forma, é possível fazer jornalismo sério sem, necessariamente, apelar a formas rigorosas de texto. "Ele (o texto) pode ser interessante dentro do jornalismo e não se esgotar apenas no conteúdo" e o Tom Wolfe foi "sensacional nisso. Nesse livro (O Teste do Ácido do Refresco Elétrico), ele descreve o delírio que as pessoas tinham sob o efeito do ácido lisérgico, o LSD". Para tal relato, ele não chegou a usar a droga, mas pegou anotações sobre os sonhos de quem a havia usado. "Ele foi criativo, a partir de uma fonte jornalística (as anotações), mas ele não mentiu".

Em outro livro seu, "Os eleitos" (1979), sobre a corrida aeroespacial dos EUA, ele queria inserir o medo do desconhecido e decidiu fazer isso de maneira diferente. "Ele pensou que se entrevistasse os próprios astronautas, eles não falariam com medo, por isso, ele decidiu começar a pesquisa entrevistando as esposas dos primeiros astronautas; elas que ficavam e viviam na ansiedade de ver se eles voltariam ou não", comenta o professor.

Hunter S. Thompson é mais um nome importante do novo jornalismo. Em seu livro "Hell's Angels - Medo e Delírio Sobre Duas Rodas" (1966) ele passou quase um ano acompanhando e "vivendo" com a gangue de motociclistas de mesmo nome. "Por trás da 'loucura' de fazer isso, há um domínio do jornalismo como potencialidade, como modo de expressão. Os caras eram muito bons jornalistas", comenta o professor.

Mais recentemente, já na década de 90, Jon Krakauer, com "Na Natureza Selvagem" (1998), e Gabriel García Marquez, com "Notícias de um Sequestro" (1996), utilizaram as técnicas da literatura para contar histórias. O primeiro é sobre o jovem Christopher McCandless e sua decisão de deixar o "dia a dia" e ir ao Alasca e o segundo, sobre os 10 colombianos sequestrados, sob ordem de Pablo Escobar, nos anos 90. Além dessas coletâneas, o novo jornalismo, "essa ideia de fazer do jornalismo uma coisa mais viva", se faz presente no Brasil, por exemplo, com a revista "piauí".

NOVÍSSIMO JORNALISMO - 30 anos depois de Tom Wolfe lançar o novo jornalismo, o professor da Universidade de Nova Iorque, Robert S. Boynton, lançou uma nova coletânea, agora de entrevistas, com 19 jornalistas que, segundo ele, praticam o "new new journalism" - termo ainda não traduzido para português, mas que significa algo como o "novíssimo jornalismo".

Nessa coletânea de entrevistas, que conta com a participação de nomes como Gay Talese e Jon Krakauer, ele diz que os entrevistados e os autores desse gênero são geralmente escritores de livros e revistas que se beneficiaram da "legitimidade do legado de Wolfe" e focam na prática do método jornalístico. Segundo o professor, a grande mudança é que, ao invés da experimentação com a linguagem, eles focam mais na imersão, em "como chegar à história" e o tempo de vivência nela. Um dos exemplos que ele dá é Ted Conover, que trabalhou como um guarda de uma prisão e escreveu o livro "Newjack" (2010) e também viveu como um "vagabundo" (hobo) antes de escrever "Rolling Nowhere" (2001).

Saiba o que ler do 'New Journalism'

'O Novo Jornalismo' – Tom Wolfe

'Os Eleitos' – Tom Wolfe

'O Teste do Ácido do Refresco Elétrico' – Tom Wolfe

'Notícias de um Sequestro' - Gabriel García Marquez

'Na Natureza Selvagem' – Jon Krakauer

'A Sangue Frio' – Truman Capote

'Hell's Angels – Medo e Delírio Sobre Duas Rodas' – Hunter S. Thompson

'Honra teu Pai' – Gay Talese

Supervisão: Célia Musilli
Editora da Folha 2