A receita sem-sem de sucesso do show de Oswaldo Montenegro
Compositor apresentou em Londrina um show que celebra seus 50 anos de carreira com grande competência e beleza
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 07 de outubro de 2024
Compositor apresentou em Londrina um show que celebra seus 50 anos de carreira com grande competência e beleza
Domingos Pellegrini/ Especial para a FOLHA

A receita de sucesso do show "Celebrando 50 Anos de Estrada", de Oswaldo Montenegro, baseia-se muito no que não é visto ou que deixa de existir. Para começar, não há a impontualidade comum a tantos shows: no domingo (6), pontualmente às 20 horas no Teatro Marista de Londrina, ele começou o show apenas com seu violão, no centro do palco com apenas três microfones, portanto sem o usual conjunto acompanhante e sem qualquer parafernália equipamental. Até sem baterista e, a partir da terceira música, contando apenas com um baixista/guitarrista e uma flautista, apresenta um show tão simples e tão emocionalmente tocante que o público aplaude com rara intensidade.
É um show também sem jazzísticos ou blueseiros improvisos instrumentais, mas com uma tessitura sonora potente e criativa, os três instrumentos em cena apoiados por piano tocado pelo próprio Oswaldo em grande telão em todo o fundo do palco.
Também é um show sem apelações emocionais, como histórias contadas para tocar o coração ou fazer rir. Ele fala muito pouco, apenas, por exemplo, contando que vai apresentar a primeira música que compôs, ainda menino, “quando eu era feliz sem saber”, acrescentando que agora é feliz “mas dá um trabalho danado”.
Decerto grande parte do público sabe que Oswaldo vive quase sem relações sociais, recluso em apartamento no Rio de Janeiro, tomado por obsessões como grafitar as paredes - no show ele aparece no telão desmontando parede a marretadas, entre muitas imagens e cenas de grande beleza e densidade emocional, como brincando com os netos ou trocando afetos com a ex-mulher que toca flauta no show. E o show é tocado sem qualquer discurso ou empostação, apenas com humanidade simples e sincera. E o som também tem seu “sem”: é sem aquele eco exagerado que noutros shows nos faz sentir num terremoto sonoro.
O roteiro é quase sem pausas e a condução do show é sem busca de clímax ou frenesi, tanto que uma música que empolga o público, a cantar em coro “eu quero ser feliz” não está no final mas no meio do show. E, antes do público acabar de aplaudir cada música, ele já começa outra, sem estimular um clima emocional crescente. É assim um show sem concessões, e por isso mesmo precioso, com um clima mágico a demonstrar o respeito e o carinho de um público cativo.
A música final não é a que poderia empolgar o público, mas a velha "Bandolins" com que ele se lançou no mundo da música ganhando o terceiro lugar no festival da extinta TV Tupi em 1979. Mas sem saudosismo, ao contrário: a música é apresentada em arranjo densamente renovador, como a dizer que não quer aplausos saudosos do passado mas atenção para a expressiva criatividade do presente.
No final, o público aplaude de pé mas Oswaldo agradece simplesmente e sai, sem voltar, como também o público aplaude longamente mas sem pedir bis, como tornou-se costume em tantos shows. E, sem mais, o público sai emocionado, dando para claramente ver nas caras a alma lavada, a confiança na humanidade que os artistas nos dão.
É um show sem-sem e também com-com: sem oportunismos ou modismos, sem convenções nem exibicionismo, com rara combinação de simplicidade com competência e beleza. Com seu "50 Anos de Estrada", Osvaldo Montenegro colhe o carinho de um público atento à beleza e sensível à emoção, as duas vertentes de sua música tão singular.

