Francelino França
De Londrina
No reino Iorubá, quando o assunto é amor, raios e trovões podem arrasar os corações. Isso porque na esfera dos deuses transcorre uma eterna guerra entre parceiros amorosos, de vidas envolventes e deliciosamente inverossímeis. A mãe-de-santo Mãe Mukumbi, Vilma dos Santos Oliveira, vislumbrando a potência cênica do mundo mitológico dos Orixás, convidou o ator e diretor Adriano Garib para dar corpo à idéia. O resultado é o espetáculo-relâmpago ‘‘Iansãxangô’’, de breves 20 minutos. Garib garimpou três lendas, selecionou os Orixás mais temperamentais, inserindo-os num duplo triângulo amoroso (Ogum-Iansã-Xangô e Iansã-Xangô-Oxum). Dentro da literatura dramatúrgica, a mitologia africana não pisa em palcos elisabetanos.
No primeiro episódio da saga dos Orixás africanos, o vaidoso Xangô vai visitar seu irmão Ogum, guerreiro por natureza, e conhece a esposa do irmão, Iansã. Xangô envolve-se numa paixão arrebatadora, capturando-a para junto de si. Na segunda história, Xangô se encanta por Oxum, rainha das águas doces, e passa a negligenciar Iansã. Ela roga conselhos à rival, que sugere a preparação de um amalá (prato à base de carne e quiabo), para agradar Xangô. Sem carne suficiente, Iansã corta a própria orelha. Mas Xangô descobre e revela toda sua ira contra Iansã.
A última lenda do espetáculo retrata a vaidade extrema de Xangô. Numa determinada guerra, ele acaba emitindo um grito ensandecido, extinguido tudo ao redor, inclusive a si próprio. Iansã se desespera com a morte precoce do amado, levando-o para o mundo dos mortos.
Adriano Garib preferiu trazer para o plano humano o caldo cênico das lendas. ‘‘É difícil esvaziar do contexto ritualístico, mas o espetáculo transita entre o épico e o coloquial’’, resume. O livre arbítrio rege a ‘‘consciência’’ dos Orixás. O olhar antropológico e religioso de Vilma Santos Oliveira sobre o tema vem referendar a proposta de resgate da cultura negra do projeto Pró Ranti, da Coordenadoria de Extensão à Comunidade, da UEL, produtora do espetáculo. O candomblé ainda respira nos domínios do preconceito. ‘‘Uma religião que sobreviveu 500 anos precisa ser mais conhecida’’, defende Vilma, antevendo os puristas de carteirinha enfurecidos com a encenação.
‘‘Iansãxangô’’, texto e direção de Adriano Garib, com Sérgio Mello, Skarlet Costa, Rodrigo Fregnan e Maria Melo; música original de Daniel Belquer. Hoje e amanhã, às 21 horas, na Escola Municipal de Teatro, Rua Acre, 315. Ingressos: R$ 5,00.