Promovendo saraus e outros eventos literários há algumas décadas, Rubens Jardim começou a se incomodar com as poucas referências a poesias escritas por mulheres brasileiras. Inconformado com o machismo vigente no segmento em que atua desde os anos 1960, o jornalista, poeta e agitador cultural paulistano iniciou uma vasta pesquisa sobre a produção poética feminina produzida no país desde o século XVIII. O trabalho iniciado em 2011 resultou na maior antologia sobre o tema publicada no país.

Intitulada “As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira”, a antologia organizada por ele reúne poemas de autoria de poetas de todos os tempos, estados e estilos. Publicado pela editora Arribaçã, o livro traz um panorama amplo que abarca desde poemas de autoria de Ângela do Amaral Rangel, nascida em 1725 e que se tornou a primeira brasileira a ter seus versos publicados, até autoras contemporâneas. A obra inclui nomes consagrados, além de talentosas autoras ainda desconhecidas do grande público.

Rubens Jardim: organizador do livro Mulheres Poetas da Literatura Brasileira
Rubens Jardim: organizador do livro Mulheres Poetas da Literatura Brasileira | Foto: Acervo pessoal

Remanescente do movimento Catequese Poética, que nos anos 1960 incentivou escritores e tirarem seus poemas da gaveta para declamá-los em praças, universidades e diversos espaços de São Paulo, Rubens Jardim comenta que a organização da antologia passou por diversos processos. “Primeiro eu criei um blog no qual dava espaço a quatro mulheres poetas a cada 15 dias. Anos depois, lançamos e-books até que, atendendo a diversos pedidos, chegamos agora ao livro impresso. Estou muito satisfeito com o resultado desse trabalho, que foi feito com muita paixão”, destaca.

Ele comenta que a grande motivação para organizar a antologia foi a vontade de fazer justiça à obra das autoras presentes no livro. “Comecei a ficar muito incomodado com o fato de encontrar apenas referência a poetas homens toda vez que pesquisava sobre poesias publicadas no Brasil em décadas passadas. Percebi que apesar de hoje em dia haver muitos livros de poesia escritos por mulheres, há muita omissão e descaso em relação a brasileiras que escreviam poemas décadas atrás. Então baixou o Xangô em mim e resolvi dar vazão ao meu espírito de justiceiro”, diverte-se o organizador.

Jardim relata que a internet foi sua maior fonte de pesquisa para chegar ao trabalho de autoras menos conhecidas. “Muita gente me ajudou indicando alguns nomes que ainda não conhecia. Para organizar a antologia, segui uma ordem cronológica. E na hora de escolher o texto de cada poeta que seria publicado usei a minha sensibilidade. Optei por poemas que provocam alguma transformação no leitor. Acho que ninguém é o mesmo após ler uma boa poesia, pois um bom poema tem um efeito transcendental sobre nós. Infelizmente, não tivemos autorização para publicar obras de alguns nomes consagrados que eu adoro, como Cora Coralina e Adélia Prado. Mesmo assim conseguimos fazer um recorte muito interessante”, enfatiza o escritor que tem três livros de poesia publicados e promove o Sarau da Paulista, evento que acontece mensalmente na via mais famosa de São Paulo.

OBRA RELEVANTE

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Fundador da Arribaça Editora, responsável pela publicação do livro, o poeta e jornalista Linaldo Guedes ressalta que a antologia "As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira" se destaca pela diversidade. “Ela é a primeira do gênero com tantas poetas inclusas. São mais de 300 poetas brasileiras. Não há um só estilo predominante ou uma idade definida ou uma demarcação temporal. Ela abarca toda época, todo estilo e todo estado. É uma antologia livre de amarras”.

Na avaliação do editor, a publicação tem um valor imensurável. “Não tem como mensurar. Uma antologia como essa é necessária para não deixar que vozes sejam silenciadas. A poesia feita por mulheres nos primórdios do Brasil era tão silenciada que algumas das poetas inclusas no livro não têm nem foto. A antologia quebra esse silenciamento e funciona como registro, mas também como resgate”, conclui.

PARANAENSES INTEGRAM O LIVRO

Há várias poetas de Londrina e do Paraná que integram a antologia como Alice Ruiz, Barbara Lia, Karen Debértolis, Jussara Salazar, Célia Musilli, Samantha Abreu e Beatriz Bajo, entre outras.

Algumas expressam a satisfação em fazer parte da obra. “Estou muito feliz. É um grande reconhecimento para nós, poetas mulheres que moramos no interior, fora o grande eixo Rio e São Paulo”, afirma a escritora londrinense Samantha Abreu.

Poeta e jornalista londrinense, Célia Musilli lembra que, há alguns anos, os eventos literários nem contavam com muitas autoras mulheres em sua programação. “Após reivindicações sinceras, hoje estamos em toda parte. Isso é bom, a mulher lança um outro olhar sobre o mundo, também na literatura, e acho que isso pode ajudar inclusive os homens a fazerem uma leitura mais completa da realidade e das relações entre as pessoas”, salienta a editora do caderno Folha 2, da FOLHA.

“Acho essa antologia um trabalho muito importante. Primeiro pela abrangência, por contemplar mulheres do Brasil inteiro. E também pela forma democrática em que ela preenche uma lacuna, pois na literatura, a exemplo de outros movimentos culturais, a presença dos homens ainda é muito massiva”, ressalta Jussara Salazar, escritora e artista visual pernambucana radicada em Curitiba desde 1985.

POEMAS

Jussara Salazar
Jussara Salazar | Foto: João Urban/ Divulgação

(O mapa)

a palavra água molha
o verso e beija
e seus olhos atrás do meu
olhar quando o silêncio
atravessa a noite:

o território líquido
das distâncias sem dor

(Jussara Salazar)

Samantha Abreu
Samantha Abreu | Foto: Acervo pessoal

RETIRADA

Vocês me chegam

trazendo uma guerra pronta,

com seus soldados e armas.

E me encontram tão acovardada,

tão eu,

assim amuadinha.

Ainda acho lindo ver o sangue untando a espada,

o suor diluindo o sangue,

o barulho da lâmina cortando o vento.

Mas ando tão débil. Ando tão branda.

Tenho amado muito mais a bainha.

O silêncio secreto dos bordados na bainha.

(Samantha Abreu)

Célia Musilli
Célia Musilli | Foto: Gustavo Carneiro

FINISHED

porque há canções de chegada

e canções de partida

o coração eu tomo pela mão

quebrável

no último beijo

transversal de línguas

poliglota

falo de amor

delicadezas doem

não sei se já disseram

mas você sabe matar pássaros

(Célia Musilli)

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. | Foto: Divulgação

SERVIÇO:

“As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira” - organização Rubens Jardim

Editora Arribaçã

À venda no site www.arribacaeditora.com.br

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