A música participativa de Naná
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 23 de outubro de 2000
Zeca Corrêa Leite De Curitiba
Domingo, depois da mágica sessão em que se transformou a apresentação da Orquestra Sinfônica do Paraná, regida por Gil Jardim, com a percussão de Naná Vasconcelos, o artista um dos maiores e mais importantes percussionistas do mundo conversou com a Folha 2 e falou de seu interesse em voltar a Curitiba para trabalhar com as crianças da rede pública de ensino, através do projeto ABC Musical.
Diz Naná que este programa só pode ser realizado em parceria com o governo estadual ou municipal, porque são esses poderes que contam com teatros e escolas públicas. É só trazer eu e o maestro (Jardim). Do resto, a gente dá conta, disse.
O processo do ABC Musical é dinâmico: durante uma semana Naná visita as escolas da cidade. Vou de norte a sul, de leste a oeste, de classe em classe, fazendo workshop e selecionando crianças. Numa segunda etapa escolhe o grupo com quem vai trabalhar. Numa experiência em São Paulo de 800 alunos tirou 120. Aí então, entra em cena o maestro, com um repertório de música folclórica brasileira, com arranjos para orquestra sinfônica.
O final dessa história termina no palco do teatro municipal (ou estadual), num espetáculo onde os professores da sinfônica atuam lado a lado com as crianças que, habitualmente, nunca tiveram qualquer contato com a música. Elas tocam e cantam, num concerto emocionante. E quando ele gostaria de realizar este trabalho em Curitiba? Ontem, respondeu rapidamente.
Este é um dos projetos sociais de Naná. O outro ele mantém há três anos em Recife, o ABC das Artes Flor do Mangue, por acreditar que nas artes é possível dar às crianças carentes opções que elas normalmente não encontram. O processo de trabalho conta com apoio dos artistas dos mais variados ramos que dão estágios de cerca de dois meses no local. De tudo passa ali, e a garotada vai se adaptando àquilo para as quais demonstram interesse e talento.
Assim como abre um leque de opções, o segredo é manter a disciplina. Só assim para a meninada se sentir cidadã. Digo a eles: vocês não são meninos de rua. Vocês estão na rua, por falta de escolhas. Sou muito direto com eles, porque sou um exemplo. O fato de morar nos Estados Unidos enche os olhos, diz o músico.
Para quem já passou fome e tirava caranguejo do mangue quando criança, a autoridade para falar que se pode conquistar postos na vida, é muito maior para quem nunca passou por isso. Naná é um exemplo vivo das conquistas. Infelizmente, reclama, a luta é quase inglória num País onde a miséria é sinônimo de indústria. É um problema sério, um problema político aqui no Brasil. Os homens encastelados no poder alimentam a pobreza justamente para manterem o status necessário.
Nem mesmo as leis de incentivo à cultura ajudam. Os patrocinadores querem retorno imediato, e trabalhos sociais não apresentam resultados da noite para o dia, diz Naná Vasconcelos:
Este é um trabalho para quem quer realmente se envolver. Eu me envolvo porque quero me sentir útil, me envolvo porque já fui criança pobre, me envolvo porque tomei um susto. Esses anos todos que moro fora do Brasil - cinco anos na França, 26 em Nova York - fiquei muito tempo sem vir ao meu País e quando comecei a voltar, comecei a me assustar com essa quantidade de crianças nas ruas. É o futuro do Brasil que está aí. De certa forma é isso.