Ontem morreram, no país, 874 pessoas devido à Covid-19. No último sábado foram 1.836 mortes. Desde o início da pandemia 463 mil padeceram. Cada uma dessas pessoas deixou dezenas de familiares e amigos de luto.

Se existe uma multidão de vítimas visíveis, existe igualmente uma vastidão de enlutados. Uma legião invisível impossível de mensurar. Uma legião de homens, mulheres e crianças vivenciando, cada um a seu modo, a dor da perda.

Em seu novo livro, “Notas Sobre o Luto”, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie oferece uma dimensão particular do luto que envolve todos aqueles que perdem alguém próximo. Que perdem alguém amado.

Em “Notas Sobre o Luto”, lançado pela editora Companhia das Letras, Chimamanda Adichie escreve sobre o drama de perder o próprio pai durante a pandemia. Expõe sua experiência do luto como aprendizado: “O luto é uma forma cruel de aprendizado. Você aprende como ele pode ser pouco suave, raivoso. Aprende como os pêsames podem soar rasos. Aprende quanto do luto tem a ver com a derrota das palavras e com a busca das palavras.”

O relato expõe as fases e as etapas que envolvem o luto. Nas fases iniciais aparece a incredulidade de que o mundo continue a girar: “Como é possível o mundo seguir adiante, inspirar e expirar de modo idêntico, enquanto dentro de minha alma tudo se desintegrou de maneira permanente?”

Nas fases que se sucedem, aparece a negação. A negação de olhar a realidade e os fatos de frente, de olhos abertos. Uma negação que se transforma em confortável refúgio durante determinado tempo.

Em seguida, surge a sensação de culpa, como se os acontecimentos poderiam ter sido diferentes, ou mesmo evitados, através de algum tipo de atitude não realizada. Em seguida, a sensação de que, pelo fato do falecido ter sido uma boa pessoa, justa e honesta, teria alguma proteção contra a morte. Algo que não existe.

Depois aparece, no relato da autora, a rebelião contra as tentativas de consolo: “Alguém me diz que ‘ele foi para um lugar melhor’. É de uma presunção espantosa e tem um quê de inepto. Como é que alguém poderia saber? E por acaso eu, que estou de luto por meu pai, não deveria ter acesso primeiro a essa informação? Alguém também diz que ‘ele já estava com 88 anos’ e isso me causa uma irritação profunda, porque a idade no luto é irrelevante: não importa quantos anos ele tinha, mas o quanto ele era amado.”

De etapa em etapa, de fase em fase, Chimamanda Adichie experimenta a sensação de que todas as certezas, que possuía sobre o luto de perder alguém querido, caem todas por terra após a morte do pai. Todas as palavras e percepções que propagava para outros enlutados, de nada passam a servir para seu próprio luto. E a compreensão reside no fato de que cada pessoa enlutada precisa construir seu próprio luto, fazendo uso de suas próprias ferramentas.

Autora de romances como “Americanah” (2013), “No Meu Pescoço” (2009) e “Meio Sol Amarelo” (2006), Chimamanda Ngozi Adichie nasceu em 1977 na Nigéria. Com 17 anos se transferiu para os Estados Unidos para fazer faculdade. Ganhou popularidade mundial a partir de duas palestras realizadas pelo TED que foram transformadas em livros: “O Perigo de uma História Única”, de 2009 e “Sejamos Todos Feministas”, de 2012.

Em 2017, publicou “Para Educar Crianças Feministas”, onde apresenta apontamentos simples de como promover uma educação igualitária às crianças a partir da justa distribuição de tarefas entre meninos e meninas, entre pais e mães. Seu conceito de “feminista” se distancia dos clichês: “Feminista é uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos.”

“Notas Sobre o Luto” traz o relato de uma experiência de luto extremamente particularizada e marcada pela cultura e pelo senso comum. Chimamanda Adichie utiliza a escrita como tentativa de entender o próprio luto. E tudo que permanece, reside em lembranças e memórias.

Serviço:

“Notas Sobre o Luto”

Autora – Chimamanda Ngozi Adichie

Editora – Companhia das Letras

Tradução – Fernanda Abreu

Páginas – 144

Quanto – R$ 29,90 (papel) e R$ 16,90 (e-book)

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