Em certo sentido, toda boa história trata de gente em situações conflituosas. E elas podem ficar ainda melhores, a depender de como são trabalhadas em seu caminho para a tela. Como este “Segredos Oficiais”, bom filme disponível por mais uma semana no circuito local. O argumento recria uma parte crucial da vida de Katharine Gun. Não muitos espectadores saberão do caso dela quando entrarem no cinema para ver a realização do sul-africano Gavin Hood, especialista no subgênero de thrillers políticos nos quais são denunciadas manobras sujas empregadas pelas potencias mundiais em conflitos internacionais.

'Segredos Oficiais' mostra um drama pessoal, um drama jornalístico e um olhar duro sobre as tramoias do Estado
'Segredos Oficiais' mostra um drama pessoal, um drama jornalístico e um olhar duro sobre as tramoias do Estado | Foto: Divulgação

Em 2003, Katharine era funcionária (tradutora) do Centro de Comunicações do Governo Britânico. Certo dia, ela (e os demais tradutores de sua sala) recebe um memorando revelando que certas manobras sujas deverão ser feitas pelo governo de Tony Blair para convencer alguns países do Conselho de Segurança da ONU a justificarem e votarem pela invasão do Iraque, a ideia fixa de George W. Bush após o 11 de setembro. Katharine filtra o tal memo e revela seu conteúdo à imprensa que vem a público através de matéria do jornal The Observer. Ela é acusada de traição e submetida a julgamento.

A narrativa é organizada como um extenso flashback, e “Segredos de Oficiais” oscila por vários gêneros: em primeiro lugar, o drama pessoal e familiar da própria Katherine, mulher idealista que precisa se decidir entre fazer o que é correto e o que é conveniente; em segundo, o drama jornalístico à maneira de “Todos os Homens do Presidente” e “Spotlight”, com ênfase no viés investigativo; e em terceiro, um olhar duro, nada complacente, nas tramas manipulativas do Estado.

As três frentes funcionam satisfatoriamente, estão narradas com solidez e são um convite à reflexão do espectador. Inclusive, num chave cínica, sobre o que é de fato patriotismo.

Mas o peso maior fica por conta do conflito pessoal de Gun, o que permite a Keira Knightley compor seu personagem com bastante veracidade e enriquecido com matizes diversos (com menos trejeitos do que de costume), o que torna o filme especialmente efetivo. Ao final, vendo as imagens da verdadeira Katharine e lendo informações sobre o caso, o publico se dará conta agora que sabe mais sobre a arma (Gun) de Katharine do que os senhores da guerra Bush & Blair sabiam sobre as armas de destruição em massa que juravam que Saddam escondia em baixo da cama...e que jamais foram encontradas, mesmo à custa da vida de milhares de iraquianos.