A MACONHA segundo Gabeira
PUBLICAÇÃO
sábado, 21 de outubro de 2000
Nelson Sato De Londrina
Ela já provocou escândalos, bate-bocas e frases antológicas em campanhas políticas. Nas atuais eleições para prefeitos, parece que a excluíram de pauta, com exceção de Maluf que acusou Marta Suplicy de ter dado uns tapas na juventude.
A maconha, contudo, volta e meia irrompe no noticiário seja como ocorrência policial ou através o que tem sido frequente de uma nova descoberta científica. No Brasil, o escritor e deputado federal Fernando Gabeira tornou-se uma autoridade no assunto.
Ele acaba de lançar o livro A Maconha pela editora Publifolha, numa coleção que inclui volumes de referência dedicados a temas variados que vão dos alimentos transgênicos às profissões do futuro passando ainda por estudos de autores como Nietzsche e Carlos Drummond de Andrade.
Gabeira reúne vasto material informativo apresentando os prós e os contras da questão. Tudo é passado a limpo nas poucas mais de setenta páginas: argumentos científicos, experiências médicas, pesquisas sociológicas, relatos literários, causas jurídicas, o histórico da erva no país e as lutas políticas pela descriminalização.
Acusada disso e daquilo, a cannabis sempre gerou controvérsias, não sendo possível até hoje comprovar seus supostos malefícios à saúde. A idéia de que ela causaria danos no cérebro foi há tempos rechaçada, como salienta Gabeira citando algumas pesquisas. De distúrbio mesmo, há um certo consenso em torno de dois efeitos: aumento da frequência cardíaca de até 40 a 60 batimentos; e redução da testosterona em até 60%, com diminuição acentuada do número de espermatozóides no líquido seminal.
Essas alterações, no entanto, são temporárias. Mas, nota o escritor, grande parte do trabalho científico brasileiro sobre a maconha acabou sendo uma espécie de fundamento para a repressão, que tem sido intensa desde o princípio do século 20, quando a maconha foi oficialmente proibida no Rio. Antes, a erva era usada livremente como medicamento, não só no Brasil como em quase todo o Ocidente.
Muito do que se diz por aí é demolido no primeiro capítulo, onde Gabeira empresta subsídios de outros textos para revelar as conclusões de uma pesquisa feita na década de 70 por uma comissão do Congresso americano. A investigação previa uma revisão de todas as teses que circularam nos EUA desde 1920. Foram contratados consultores para rever os trabalhos científicos, e, onde havia lacunas, foram encomendados estudos originais financiados com verbas do Senado.
Nos trabalhos de laboratório, fumantes foram observados durante 21 dias. Ao término da empreitada, a Comissão inocentou a maconha não encontrando nenhuma evidência que pudesse apontá-la como responsável por crime, insanidade mental, promiscuidade sexual, falta de motivação ou o que foi uma novidade na época ser um degrau para o consumo de outras drogas. Mas, de lá para cá, outras pesquisas foram feitas alcançando muitas vezes resultados frontalmente antagônicos.
Gabeira lembra que nos primeiros meses de 2000, por exemplo, cientistas da Califórnia chegaram à conclusão de que a maconha dá câncer e cientistas ingleses concluíram que ela cura a doença. Na terra da Rainha, aliás, uma campanha impulsionada por mães de pacientes cancerosos vem pedindo a liberação de seu uso medicinal.
Elas argumentam que, com a proibição, são forçadas a buscar no mercado clandestino o único remédio que atenua a náusea e os vômitos dos filhos após as sessões de quimioterapia. O movimento conta com o apoio do Independent, um dos grandes jornais diários do país, que prega a descriminação em editoriais. Nos Estados Unidos, por sua vez, as populações da Califórnia e do Arizona votaram há dois anos num plebiscito pela legalização da cannabis
para uso terapêutico.
Entre os benefícios da maconha já registrados pela moderna literatura cientítica constam, além do citado, a diminuição da pressão intra-ocular (presente no glaucoma e capaz de provocar cegueira), o estímulo do apetite (sendo recomendado para pacientes com Aids), além do tratamento de convulsões, enxaqueca e esclerose múltipla.
Outra idéia colocada em xeque no livro é aquela da suposta dependência provocada pela maconha. Gabeira compila os resultados de algumas pesquisas, todas descartando a hipótese da síndrome de abstinência (que, quando ocorre, é suave). Mesmo assim, alerta ele, é grande a pressão para que o equívoco se mantenha pois faz parte também de uma ampliação dos mercados das clínicas especializadas em recuperação.
Outra tese bastante disseminada, e contestada no livro, é a de que a maconha leva o usuário a experimentar outras drogas. Segundo o autor, a maioria dos fumantes se limita apenas a ela e, em alguns casos, apresenta um certo desprezo por drogas manipuladas quimicamente. Ele lembra que a maconha é legalizada na Holanda, mas nem por isso houve crescimento no consumo das drogas ilícitas ou da própria erva, que é vendida em coffee shops.
Na Holanda, aliás, é possível comprá-la até pelo correio. Bancos de sementes oferecem inúmeras variedades e divulgam suas qualidades em revistas especializadas. Outros países também adotam políticas menos duras que o Brasil para lidar com a erva. Na Alemanha, ela é liberada para fins industriais, ou melhor, para a produção de produtos feitos de cânhamo (a maconha com baixo teor de THC, o princípio ativo responsável pela sensação de prazer dos consumidores).
Já na Espanha, Itália, Bélgica, Canadá e em algumas regiões dos Estados Unidos, ela foi descriminalizada inclusive para os fumantes. Na Grécia e em Portugal, ministros já se manifestaram pela legalização. Na Inglaterra e na França, cresceram protestos pró-liberação. Na Suécia, por outro lado, registrou-se uma regressão na política de drogas com um aumento das penas e uma maior repressão policial.
No Brasil, prevalece a lei 6368, criada nos tempos da ditadura militar e que prevê uma pena de até dois anos de prisão para o consumidor. Na era FHC, um projeto liberalizante tramita no Congresso trazendo uma importante medida: a de não prender o usuário, mas aplicar multas ou então submetê-lo a trabalhos comunitários.
O projeto empacou no Senado depois de ser aprovado pela Câmara. No meio tempo, o Governo criou uma Secretaria Nacional Antidrogas para fortalecer a cruzada repressiva. O livro de Gabeira, embalado num formato pouco maior que o de bolso, traz uma panorâmica convincente sobre o tema. Didático e informativo, não deixa de estimular tomadas de posição.
A Maconha. De Fernando Gabeira. Coleção Folha Explica. Editora Publifolha. Tel. (11) 3351-6341. Fax: (11) 3351-6330.