Um conflito de decisões é o enredo de "Dr. Gabriel - Uma Alma Partida", peça teatral escrita pelo médico cardiologista e autor de vários livros Marco Antônio Fabiani, com direção de Silvio Ribeiro. Baseada em fatos reais, a história de amor pé-vermelho se passa na Londrina da década de 1940, protagonizada pelo ator Herbert Blase que interpreta o médico pioneiro Gabriel Carneiro Martins, que se vê diante de um dilema: escolher entre o destino de sua amada ou seu dever profissional perante à coletividade.

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A estreia será nesta quinta-feira (26), com mais duas sessões na sexta (27) e sábado (28), às 20 horas, no teatro da AML Cultural, que fica Praça 1º de Maio, 118 - em frente à Concha Acústica.

De acordo com o Silvio Ribeiro, o cenário, o figurino e a trilha sonora são frutos de um trabalho de pesquisa sobre a época em que se passa a história e devem ser considerados simples. "O maior trabalho poderá ser observado mesmo na força do texto escrito pelo Doutor Fabiani e na interpretação dos atores", explica.


O Dr. Gabriel Martins, interpretado pelo ator Herbert Blase, foi o segundo médico a desenvolver atividades sanitárias em Londrina. "Ele chegou em 1936, exercendo o cargo de Delegado de Higiene", conta o autor. Além das funções públicas, era um profissional experiente em cirurgia e clínica geral, hábil em curar doenças respiratórias, venéreas e as que mais acometiam as crianças.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

O Dr. Gabriel Martins, como tornou-se conhecido em Londrina, até hoje é respeitado pelos médicos. "Foi o responsável por abrir o Hospitalzinho de Indigentes, em 1939", recorda Fabiani. Dada a sua popularidade e apreço à saúde pública, também passou a ser chamado de "médico dos pobres." Seu comprometimento era assunto nas rodas de conversa na cidade e assim que seu ânimo diminuiu, repentinamente, isso também passou a ser alvo de especulações.

O motivo era a saúde de sua noiva, Marta, nome fictício da personagem interpretada pela atriz Sofia Contu. Diagnosticada com hanseníase, a estigmatizada lepra, a jovem é obrigada pelas autoridades de saúde a isolar-se em uma colônia destinada a concentrar os enfermos para proteger a sociedade do contágio. A vontade de permanecer na Londrina pujante e ao lado do amor de sua vida dá lugar ao medo de viver no isolamento, limitada ao convívio dos que tratavam a mesma moléstia - sem perspectivas.

Dado o risco de contágio, a não comunicação da doença às autoridades públicas de saúde era considerada infração grave. Entre o amor e a infração, o Dr. Gabriel Martins passa a se ver numa encruzilhada e com a alma partida. Paralelamente a esse fato, Londrina prospera.

Herbert Blase e Sofia Contu interpretam o Dr. Gabriel Martins e a noiva Marta: protagonistas de uma tragédia londrinense
Herbert Blase e Sofia Contu interpretam o Dr. Gabriel Martins e a noiva Marta: protagonistas de uma tragédia londrinense | Foto: Bruno Ribeiro/ Divulgação

UM AMOR SEM ESPERANÇA

José e João, interpretados pelos atores José Donizetti Buganza e Apolo Theodoro respectivamente, atuam na peça como personagens populares que observam tudo o que se passa na cidade. Comentam sobre quem chega, quem passa e quem faz arruaça na Pequena Londres, contando causos e lembrando que já, naqueles dias, havia quem saísse à rua para ser esperto ou fazer papel de otário. Bons de prosa, descrevem o pó, o calor e suas noites mal dormidas, mas também a Londrina próspera que já se desenhava.

Na Londrina bucólica e com os pés habituados a amassar o barro, chegavam pessoas de toda a parte como os vindos da Bahia. E como bem descreve o autor, "não se tratava de trocar o cacau pelo café, mas sim de misturá-los." O desenvolvimento da cidade, o iluminismo dos médicos que chegavam sem recursos, mas com vontade de curar, e o espírito desbravador estão na obra.

Integram o elenco: Amanda Abranches, Carlos Costa e Junior Voltraimerr; a música é de José Alberto Silva e Gustavo Gorla. O responsável pela técnica é Marcos Martins e Carlos Costa assina a arte gráfica.

Autor de três romances e três livros de contos, Fabiani aborda nesta obra a memória de Londrina, as adversidades, as riquezas da época e sobretudo uma história de amor de um casal dilacerado perante a descoberta de uma doença grave e as questões éticas da profissão de médico. Entre um amor intenso e os imperativos da lei, o Dr. Gabriel Martins sentia-se em um túnel escuro e sem saída.

NOME DE PRAÇA E COLÉGIO

Até os dias de hoje, a vida e morte de Gabriel Martins tanto inspiram como trazem consternação a toda a sociedade de Londrina e região. Dada a relevância de sua trajetória, embora breve, Gabriel Carneiro Martins tem seu nome na memória da cidade. Sim, o Colégio Estadual Doutor Gabriel Martins, no Jardim Bancários, na região oeste, é um reconhecimento a ele. Assim como a Praça Gabriel Martins, no coração da cidade, entre as ruas João Cândido e Av. São Paulo.

Agora, seu nome ganha notoriedade dramatúrgica na obra "Dr. Gabriel - Uma Alma Partida."

Com esmero, Marco Antônio Fabiani traz uma reflexão sobre a a segregação compulsória vivenciada quando da eclosão da Covid-19, em 2020. "Vivemos um período em que essas questões ficaram muito fortes. Com o isolamento e as restrições que todos vivemos, me lembrei dessa história", conta. "Um recurso dramático para uma reflexão sobre os aspectos sociais de toda doença", observa.

O Dr. Gabriel Martins faleceu aos 32 anos. Primeiro enviou um ofício confirmando a localização da pessoa com hanseníase - no caso, sua noiva - depois, convidou os amigos para um jantar em casa, serviu vinhos, conversou com todos, despediu-se de cada um. No dia seguinte, 28 de abril de 1943, estava morto. O atestado de óbito, por consenso dos amigos médicos, indicou "morte súbita por parada cardíaca,” mas na verdade o Dr. Gabriel havia ingerido veneno.

O jornal Paraná-Norte, de 2 de maio de 1943, informa sobre a morte do Dr. Gabriel Martins, uma perda que consternou a cidade
O jornal Paraná-Norte, de 2 de maio de 1943, informa sobre a morte do Dr. Gabriel Martins, uma perda que consternou a cidade | Foto: Reprodução

À época, a tragédia foi manchete do jornal Paraná - Norte, em sua edição 446: "Violenta emoção sacudiu a alma da comunidade londrinense."

Em seu texto, José de Oliveira Rocha descreve que o doutor era um benfeitor e sua partida era motivo de profunda tristeza.

"(...) uma vida que se consagrou ao bem, a aliviar a dor do próximo, a estender a mão afável da caridade aos desprotegidos de fortuna, aos enfermiços, aos valetudinários. Essa vida útil e profícua viveu-a o Dr. Gabriel Carneiro Martins," diz a reportagem.

Com os funerais custeados pelo então prefeito Miguel Blasi, o velório foi acompanhado por uma multidão e o sepultamento foi realizado na cidade de Castro (PR).


SERVIÇO

Espetáculo teatral: Dr. Gabriel - Uma Alma Partida
Quando: De quinta-feira (26) a sábado (28), às 20 horas

Onde: Teatro do AML Cultural - Praça 1º de Maio, 118, em frente à Concha Acústica.

Quanto: R$40 (inteira) R$20 (meia/antecipado) - PIX para a chave 62954253991. O comprovante, os nomes de quem vai usar o ingresso e o dia em que pretende ir ao teatro devem ser enviados para o WhatsApp (43) 99619-1576