A estreia é “Golpe de Sorte em Paris”
Woody Allen retoma a boa forma e demonstra resistência contra suas adversidades em novo filme
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
Woody Allen retoma a boa forma e demonstra resistência contra suas adversidades em novo filme
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para a FOLHA
Sua nova história está ambientada na capital francesa, e é um thriller em tom de comédia burguesa, com ocasionais conotações românticas. A protagonista é Fanny (charmosamente interpretada por Lou de Laâge), mulher de trinta e poucos anos que trabalha para uma grande casa de leilões. Um dia, ela reencontra um antigo amigo de colégio, Alain (Niels Schneider), escritor divorciado.
Fanny é casada com Jean (Melvil Poupaud), homem rico e excessivamente ciumento - cujo trabalho não é revelado em nenhum momento do filme - que parece considerar Fanny sua "esposa troféu";. Poupaud desempenha seu papel com habilidade, de modo que consegue manter um equilíbrio entre o lado cruel e chato de seu personagem e outro, bastante estúpido.
Alain e Fanny embarcam em um romance, e a principal virada ocorre quando Alain deixa Paris sem deixar rastros. O desaparecimento de Alain leva Fanny ao desespero, e sua mãe (Valérie Lemercier) acaba sendo a única que tenta ir mais longe e descobrir o que realmente aconteceu. Também é cativante – embora um pouco banal e nerd ao mesmo tempo – ver como o forte vínculo entre Fanny e Alain se forma após a tentativa deste último de convencer Fanny a viver sua vida ao máximo. Em particular, sublinha a sorte que cada um de nós tem por estar vivo, uma vez que as probabilidades de nascer neste mundo são de apenas uma em 400 mil milhões.
Também interessante é como Allen zomba de alguns clichês da alta sociedade, como caçar e passar dias intermináveis no campo.
No que diz respeito ao aspecto visual, o filme ainda se destaca graças à fotografia de Vittorio Storaro, que obviamente dispensa apresentações. O mestre italiano, diretor de fotografia de obras de tantos mestres cineastas (Coppola, Bertolucci, Saura, entre
outros) consegue criar um contraste requintado entre a paleta de cores azul e branco do luxuoso apartamento de Fanny e Jean e as belas e quentes cores das ruas da capital francesa no outono. Além disso, a trilha sonora segue alinhada ao clima da história, e o refrão de “Cantaloupe Island”, clássico de Herbie Hancock, serve como intermezzo charmoso entre varias cenas.
Coup de Chance é um divertido longa-metragem de 96 minutos, caracterizado por uma abordagem de direção simples mas funcional, um conjunto sólido de atores, diálogos divertidos escritos na medida, e um ritmo narrativo bastante atraente. E só a cena final já valeria o preço do ingresso. Mas será este “Coup de Chance” um retorno aos melhores momentos de Allen como cineasta? Parece não haver duvida de que sim.
O filme deve muito a “Match Point”, e nos devolve um Allen entre espirituoso e perverso, de novo fazendo rir e demonstrando a leveza de seus primeiros filmes. Há passagens que vibram ao sabor do romantismo clássico do cineasta, e o roteiro retoma um tema que o citado “Match Point” desenvolveu de forma mais sinistra. O espirito vivaz de Allen redescobre o frescor, a ironia, as situações complexas bem resolvidas, a ausência de moralismo. E reafirma aquela rara harmonia das coisas de Allen, aquele desequilibrio confortável, uma ingenuidade muito penetrante.
Sem duvida, aos 88 anos é um diretor que ainda tem muito a oferecer, a julgar por esta comédia negra irônica e inteligente.