Robert Eggers, americano, 38, só fez três filmes até o momento – o próximo é a refilmagem do ícone seminal “Nosferatu”, vampiro nascido na Alemanha da visão expressionista de F.W. Murnau em 1922. Fica bem evidente que Eggers não gosta de brilho, mas as imagens sombrias que ele prefere vão além de mera questão de fotografia. Elas evocam a escuridão na alma humana.

Em seu surpreendente filme de estreia de 2015, “A Bruxa”, um fazendeiro fanaticamente religioso da Nova Inglaterra do século XVII impõe sua obsessão pelo pecado em seus entes queridos como uma praga. Em seu segundo filme, “O Farol”, de 2019, fascinante – e engraçada à sua maneira enviesada – fantasia de pesadelo ambientada alguns séculos depois, um veterano faroleiro e seu jovem assistente lutam pela iluminação simbólica e literal em uma ilha desolada na costa do Maine, enquanto tentam enlouquecer um ao outro.

No entanto, nenhum desses filmes nos prepara totalmente para “O Homem do Norte”, em segunda semana de exibição em Londrina, uma extravagância viking que começa em 895 d.C, retrata medonhas batalhas e rituais de superação e – ame-o ou deixe-o – se impõe desde já como um clássico do terror, tanto explícito quanto implícito, graças a Odin.

Amá-lo não é o problema, é claro — o nível de amputação, evisceração e decapitação da violência transcende a boa diversão desagradável. O desafio é assimilar, assistir sem desviar os olhos – posso afirmar sem hesitação que os meus ficaram fixos na tela – e vê-lo pelo que é: um entretenimento tumultuado e lindo graficamente para este nosso tempo, bem como uma meditação indescritivelmente sombria no reservatório inesgotável de selvageria da espécie humana.

“O Homem do Norte” é uma saga ultra-violenta que o público, pego desprevenido, nunca soube que precisava. A um só tempo, é atmosférico, instigante, sombrio, glorioso e e travesso (um pouco como Willem Dafoe e Robert Patinson em “O Farol”).

A história (vagamente baseada no mito escandinavo que Shakespeare desenhou para “Hamlet”) começa com Fjölnir (Claes Bang) assassinando seu irmão, o rei Aurvandill (Ethan Hawke), e sequestrando sua rainha, Gudrún (Nicole Kidman). O usurpador também dá ordens para que seu jovem sobrinho, Amleth (Oscar Novak), próximo na linha de sucessão ao trono, seja morto. Mas o garoto consegue fugir.

Anos depois, Amleth (Alexander Skarsgard) tornou-se um homem tão forte e brutal que pode arrancar a garganta de um homem com os dentes nus. Ou melhor, dentes de urso (seu espírito animal é um cruzamento entre urso e lobo). A vingança mais que nunca está em sua lista de tarefas.

O destino, por meio de um mensageiro intenso (Björk, quase irreconhecível, mas funcional), o encoraja a seguir em frente com sua missão. Então, depois de se declarar escravo e conhecer a feroz eslava Olga (Anya Taylor-Joy), Amleth parte para a fazenda de ovelhas onde seu tio e Gudrún vivem agora, com seu filho louco por esportes, Gunnar (Elliott Rose ), cuja paixão por um jogo que lembra futebol americano é hilário e aterrorizante.

Tendo adquirido uma espada, Amleth lentamente se prepara para enlouquecer. Enquanto isso, Olga tem cogumelos mágicos na manga.

Nenhuma dificuldade para se acostumar com o sotaque semi-gutural anglo-escandinavo. E a visceralidade fala sempre mais alto e forte. Por isso, e por mais virtudes, “Northman” oferece uma experiência imersiva no imaginário nevoento de mitos, lendas e fatos nórdicos.

Um último encontro entre Skarsgård/Amleth e Kidman/Gudrun é dilacerante. E o clímax (no qual dois homens empunhando espadas ao pé de um vulcão fazem muito barulho) é incrível. Todo aquele rosnado primal é francamente enlouquecedor.

A personagem Olga se jacta: “Tenho a astúcia de quebrar a mente dos homens”.

O diretor Eggers vai além: ele pode quebrar a mente de homens e mulheres, neste festival de embates não machistas.

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