Toda pessoa preta sofre racismo. Racismo, como diz o autor do livro “Racismo Estrutural” Sílvio de Almeida, é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento. O que muda é a forma com que o racismo se manifesta que vai desde práticas preconceituosas ou de discriminação conscientes e inconscientes até desvantagens sociais. Quando se é negro, a luta antirracista é diária e para artistas negros a resistência é por seus corpos, mas também por seus quadros, telas, microfones, instrumentos, muros; a arte que produzem.

O grafiteiro Carão foi discriminado em Santa Catarina por uma mulher que não queria "preto na parede" de uma propriedade
O grafiteiro Carão foi discriminado em Santa Catarina por uma mulher que não queria "preto na parede" de uma propriedade | Foto: Gustavo Carneiro

Carão, é um conhecido artista grafiteiro de Londrina e além de ser negro, representa em sua arte e trabalhos rostos e representações negras. Em uma viagem à praia com a família em Santa Catarina, resolveu fazer um grafite para registrar sua passagem pelo lugar. Pediu autorização e começou a trabalhar no muro de um terreno vazio, quase no término do desenho foi surpreendido por um senhora aos gritos, ofendendo e depreciando o grafite na parede, o rosto de um garoto negro. "E esse preto na parede”, ela dizia. O terreno aparentemente era dela, quem havia dado autorização foi sua filha e o medo da senhora era que um rosto negro na parede de sua propriedade a atrapalhasse a venda do espaço.

O desenho já estava pronto, então ficou lá, sujeito a ser removido e apagado com tinta branca, mas para a surpresa do Carão, o grafite não só está lá até hoje, como o terreno foi vendido, uma casa foi construída e a pintura na parede não foi removida. A arte somada à potência negra é poderosa. “A influência de pintar negros é influência de casa, da necessidade de protagonizar de alguma forma, das pessoas se verem e se sentirem representadas. O negro é muito marginalizado e isso é uma forma da gente aparecer, tem pessoas brancas que compram telas minhas e colocam na parede da sala delas, isso é muito louco.” comenta Carão.

A designer Luiza Braga foi alvo de preconceito numa mostra de artes
A designer Luiza Braga foi alvo de preconceito numa mostra de artes | Foto: Oju Artes/ Divulgação

O racismo é assim, direto e escandaloso, mas também pode ser sorrateiro e silencioso. Luiza Braga é designer por formação e apesar de ter trabalhado vários anos no mercado convencional, já há algum tempo tem se dedicado ao meio artístico com artes visuais, música e produções culturais. Durante uma feira de artes de Londrina em 2018, Luiza levou algumas telas para expor e vender, as produções traziam fotos públicas e famosas de negros, com cores e elementos vibrantes. Em certo momento, Luiza foi abordada por um senhor branco que questionou a intenção criativa das obras. “Ele veio questionar minha obra, colocando que era um plágio por usar fotografias de outra pessoa (fotografias essa que estão em domínio público) e dizendo que não via nada na minha arte."

Apesar da discordância, o homem pediu para comprar algumas peças da Luiza, mas como condição pediu uma descrição detalhada com informações do processo e de onde vinha cada imagem. Ela se recusou a vender e devolveu o dinheiro. “Disse a ele que no dia que ele me trouxesse um memorial descritivo feito por todos os outros artistas ali presentes, no dia que ele duvidasse do processo de todos eles, questionasse como se fosse uma banca de TCC, aí sim eu faria um descritivo sobre o trabalho.” completou.

Artistas negros lutam por seu espaço duas vezes mais que artistas brancos e ainda são submetidos à situações vexatórias de ofensas e de desvalidação. Além do acesso, que é sempre muito mais restrito. Luiza também colocou uma situação específica onde seu pai e sua banda estavam tocando de graça enquanto outros artistas recebiam cachê. O racismo está na morte de pessoas negras por serem negras, na desvalidação, na falta de acesso e em cada fresta deste país.

*Supervisão: Célia Musilli

Editora da Folha 2