A DIGNIDADE NA PONTA DOS PÉS
PUBLICAÇÃO
domingo, 18 de março de 2001
Carlos Eduardo Lourenço Jorge De Londrina Especial para a Folha 2
Aos 11 anos, Billy Elliot , o herói homônimo do primeiro filme do até então diretor teatral Stephen Daldry não é um garoto como os outros. Isso o público percebe de saída. Enquanto os amigos de sua faixa preferem o boxe e as confusões de rua, Billy deseja apenas uma coisa: dançar. É inato, congênito e ponto. O sonho, no entanto, não é fácil de realizar. Principalmente porque o ano é 1984, em plena era Tatcher, e ele mora na pequena cidade mineira de Durham, no norte da Inglaterra, habitada por rudes mineiros em estado de greve. É nesse contexto, com um futuro já pré-desenhado, convivendo com problemas comunitários e familiares, que o franzino mas determinado Billy busca a cumplicidade do espectador.
Ele só quer provar que cada um tem o direito de ser o que quiser, com a condição de lutar e conseguir. Mas o garoto deverá superar e bem os obstáculos, como convencer o pai e o irmão mais velho de que sua única meta é a dança. Paralelamente a este itinerário pessoal, o roteiro permeia a narrativa com um recado humanista sobre a condição social de Billy, e sua esperança de um dia deixar o ambiente onde vive. Billy Elliot é o anti-fatalismo, vontade e ambição como únicas armas e o prazer como força motriz a impulsionar os sonhos. Como diz mais tarde, numa das cenas mais tocantes do filme, explicando sua frenética paixão pela dança: desapareço, e a única coisa que sinto é eletricidade.
Não é dificil imaginar a reação do pai (Gary Lewis) quando casualmente, entre um e outro piquete, toma conhecimento da novidade: o filho tem aulas de dança com Mrs. Wilkinson (Julie Walters). E para supresa da professora, nenhuma das meninas bem-nascidas apresenta o talento de Billy, nem sempre muito assíduo à classe de balé. Mas este é problema bem menor nesta pobre e pequena cidade com a única atividade econômica paralisada e onde cada um se pergunta se terá qualquer coisa para comer no jantar. No panorama das agruras sociais, dança e miséria não combinam. Elitista e feminino, o tal esporte de ricos, segundo mineiros em fúria. Billy vai precisar saber bem o estado das coisas, antes de alcançar o objetivo máximo: a Royal Ballet School, berço das maiores estrelas da dança inglesa. Apoiado pela generosa Mrs. Wilkinson, Billy crescerá e se arriscará, preferindo Londres ao interior conhecido, o risco e a solidão ao conforto familiar.
O filme é antes de mais nada a história de um compromisso, do enfrentamento de convenções. Construído ao mesmo tempo como uma obra clássica e como comédia musical as canções da trilha foram escolhidas para ilustrar a proposta do filme, e as letras são essenciais , Billy Elliot renova o gênero da comédia social inglesa, flertando com Ou Tudo ou Nada. Diálogos saborosos alternando emoção e humor, atores talentosos (Jamie Bell, escolhido entre dois mil candidatos, é o melhor Billy que se poderia imaginar ), os contrastes entre a vida do personagem e a realidade, entre o rock e a música clássica tudo contribui para fazer do filme uma obra maiúscula, um entretenimento mágico. A sequência de abertura, mostrando um Billy revoluteando no ar ao som de Cosmic Dancer, velho hit do T. Rex, conquista o mais desconfiado dos machistas na platéia, justamente aquele que ainda acredita que balé é coisa de bicha. Quanto às nominações para o Oscar, o diretor Stephen Daldry foi, digamos, apenas convidado para a foto oficial, já que ainda é cedo para competir com Soderberg. Quanto ao roteiro original de Lee Hall, embora bem acabado, também não é páreo para o de Stephen Gaghan, escrito para Traffic.