Charles da Flauta viveu o que muitos músicos tentam a vida inteira e teve contato com os grandes nomes
Charles da Flauta viveu o que muitos músicos tentam a vida inteira e teve contato com os grandes nomes | Foto: Anderson Coelho



Quem costuma frequentar rodas de choro e samba em Londrina teve uma grata surpresa durante o último carnaval. Em um dos dias de folia, dentre os vários integrantes que compunham a mesa da antiga Padaria do Samba, reduto tradicional de instrumentistas do gênero - hoje Vila Maria - estava Charles Gonçalves, mais conhecido como Charles da Flauta. O músico, de 45 anos, acaba de retornar à cidade depois de um longo tratamento para dependência química em São Paulo. "Dessa vez eu segui até o final", comemora ele, que veio para cá cinco anos atrás para retomar parte da carreira apoteótica que o levou a ser conhecido no Brasil todo, com apenas 13 anos, como um menino prodígio do instrumento de sopro, anunciado para ser o sucessor de Altamiro Carrilho.

Dono de uma história cheia de extremos - ora o sucesso com holofotes nos programas de TV, ora as recaídas e momentos no ostracismo - não economiza planos para o ano de 2018, que inclui a gravação de um CD e DVD com a participação de vários músicos e grupos para a comemoração dos 35 anos de carreira. Aos poucos, portanto, Charles vai retomando a rotina de estudos intensos para não perder a grande chance. "Estou estudando Moto Perpetuo, de Paganini, originalmente feita para violino. Foi um desafio, pois a obra quase inteira é composta em semifusas", explica, referindo-se à complexidade da composição, extremamente rápida. O vídeo de um dos ensaios já conta com mais de 6 mil visualizações no YouTube.



O talento e a vida de Charles foram mostrados há duas semanas pelo apresentador Geraldo Luis, do programa Domingo Show, da Rede Record, antes de voltar a Londrina novamente. No palco, o reencontro emocionado com a esposa Cristina e a filha de 2 anos e 7 meses, de quem ficou longe nos últimos meses. Além delas, a presença dos integrantes da formação atual do grupo Demônios da Garoa, no qual Charles já fez participações em anos anteriores. A produção do programa, inclusive, se responsabilizou em viabilizar todo o custeio da produção do CD e DVD, que vai contar com composições autorais de Charles e alguns arranjos inéditos de releituras feitas por músicos como Alessandro Penezzi e Milton Mori.

TRAJETÓRIA - Charles era apenas uma criança quando começou a soprar as primeiras notas. Autodidata, pegava escondido a flauta doce do pai para "brincar" com os irmãos quando ele saía para trabalhar. Não demorou e, felizmente, foi descoberto, assim como sua vocação. "Escutava os discos que havia em casa e tirava todas as músicas de ouvido imitando o que eles tocavam", lembra, sobre composições interpretadas por Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho e, também, Chico Buarque e Nelson Gonçalves.

Menino, juntamente com os irmãos, passou a tocar no centro de São Paulo, na Praça da República. Os outros dois irmãos tocavam pandeiro e cavaquinho. "Tocávamos músicas conhecidas do público, como choros e sambas famosos. Ao final, meus irmãos passavam o chapéu. Gastávamos todo o dinheiro em doces e fliperama", conta, rindo das aventuras. A essa época, o pai já estava convencido do dom do menino e o levava para rodas aos domingos no Bar Clube do Choro e do Bar do Alemão. Com o potencial em tocar apenas de ouvido, ganhou uma flauta transversal de uma professora que os assistia.

Daí em diante, virou um fenômeno, sobretudo após a gravação do LP "Pinguinho de Gente", em 1988. "Deu para comprar uma casa com o dinheiro do disco". Esse foi o passaporte para aparecer com frequência em revistas, emissoras de TV e programas de auditório da época. Dos 11 aos 17 anos, Charles da Flauta viveu o que muitos músicos tentam a vida inteira e teve contato com os grandes nomes da época; viajou pelo Brasil e exterior e tocou com diversos grupos em shows e festivais. "Uma das vezes em que encontrei com Altamiro, ele passou conselhos valiosos, como a embocadura correta da flauta e um exercício para que eu conseguisse fazer trinado", diz, sobre a técnica de alternar rapidamente a nota indicada e a nota imediatamente acima da escala.

Se o novo momento é favorável, o caminho até aqui teve vários episódios difíceis apesar do início glorioso. Aos 18 anos, por causa de uma "viagem" errada, o talento nato, por pouco, não foi perdido. "Apesar de tudo, a música sempre esteve em mim, isso nunca se perdeu". Em Londrina desde 2012, deu um novo rumo à vida, mesmo com o tropeço recente, e se orgulha da história que tem feito na cidade, sobretudo com o samba e o choro. "Tem uma aluna que está no Japão fazendo sucesso". Na vida pessoal, os olhos marejam quando fala: "Tenho uma família que me apoia e me dá forças para continuar a lutar", relata, acrescentando o orgulho de ter transposto para a composição "Valsa Princesa" seu amor pela filha Isabela.