O processo é instantâneo e fulminante, e não foge ao padrão. As regras do jogo não prescindem de um rosto bonitinho e de um comportamento, digamos, liberal dentro daqueles limites que não comprometam a estrutura moral, social e política da célula familiar ianque tão cara a Bush Jr. O tal rosto obviamente deve ter um nome, não importa se mais ou menos impronunciável. Às vezes é mais fácil, como Julia Roberts ou Meg Ryan ou Sandra Bullock. Outras vezes fica complicado entortar a boca com uma Gwyneth Paltrow. Ou uma Izabella Scorupco. Ou Reese Witherspoon, a atual favorita na insaciável busca da namoradinha hollywoodiana de plantão, aquela que o público americano já está devorando com a sanha de um Hannibal Lecter. E como neste banquete antropofágico talento de fato não é tempero de primeira necessidade, as candidatas lidam de início com a exposição mais escancarada proposta pelos estúdios, via de regra em comediotas romantizadas. É o caso de ''Doce Lar'', em lançamento nacional (veja a programação de cinema na página 2).
Witherspoon interpreta Melanie Carmichael, jovem desenhista de moda. No momento ela é o centro das atenções em Manhattan. Não só pelo destaque e sucesso de suas habilidades profissionais mas principalmente porque está ficando noiva de Andrew (Patrick Dempsey), o filho da prefeita de Nova York (Candice Bergen). Melanie pede uma folga ao noivo para dar um pulinho à Alabama natal, onde precisa dar a notícia aos pais e acertar alguns negócios pendentes. O único, aliás, é tentar obter a assinatura dos papéis do divórcio com o velho amor, o esquisito Jake (Josh Lucas). Nesta volta ao lar, a moça vai repensar certos valores.
Então anotem, como ingredientes. O amigo homossexual da protagonista, o pobrezinho ex-noivo compreensivo, a arrogante mãe do ex-noivo ao final punida com o ridículo, a fórmula feitos-um-para-o-outro, ou os-que-brigam-se-desejam (aquilo que Melanie e Jake sabiam desde a pré-adolescência), a fuga da cidade pequena em busca do sonho na ''Big Apple'', o resgate das raízes autênticas, a vergonha inicial pelos pais mais tarde convertida em honra, a superação de antigos traumas inconfessáveis, os amigos frívolos de Nova York, os grosseiros mas divertidos amigos do Alabama, o feeling entre a dupla formada por Josh Lucas e Reese Witherspoon (se isto falha, adeus filme), a bebedeira catártica para provocar o insight de que o mundo desmorona, a grande questão ''existencial'' sobre o que é a vitória, se um desfile em Nova York ou ter um filho...
É evidente a intenção do roteiro e do diretor Andy Tennant em ressaltar os conflitos entre a cruel superficialidade dos urbanos bem educados e a autenticidade country, mas o desgaste dos primeiros é tão maniqueistamente trabalhado que o resultado final é meramente desrespeitoso, passando muito longe de qualquer tentativa de critica sociológica fundamentada. Neste sentido, os excessos na cena do noivado na loja Tiffany são didáticos. E pensando e pesando bem, não há qualquer duvida de que ''Doce Lar'' (o título original, ''Sweet Home Alabama'', é o mesmo de canção famosa nos Estados Unidos) nunca teve nenhuma intenção de ir fundo na sociedade americana. É apenas mais um veículo para o entra-e-sai das namoradinhas da América.