A arte nos oratórios
PUBLICAÇÃO
domingo, 09 de janeiro de 2000
Agência Estado
O primeiro museu de oratórios do mundo tem agora o acervo publicado em edição de luxo. A publicação, de 200 páginas, não será vendida: as 3 mil cópias serão distribuídas entre clientes e amigos da Fundação Cultural CCF-Brasil e do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, além de escolas, faculdades e bibliotecas - chance do público que não pode conhecer as obras ao vivo, à mostra na Casa Capitular da Ordem Terceira do Carmo, na Paróquia do Pilar, em Ouro Preto, Minas Gerais.
A publicação apresenta reproduções bem impressas da coleção de 300 oratórios reunidos por Ângela Gutierrez e transformados em patrimônio público no ano passado, quando a empresária mineira doou o acervo ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Além de doar as peças que coleciona desde os 14 anos, a principal acionista do grupo Andrade Gutierrez investiu R$ 1 milhão na preservação das peças, administradas pelo Instituto Cultural Flávio Gutierrez, também criado por ela em homenagem ao pai.
Organizado por Cristina Ávila, diretora de Pesquisa do instituto, o livro, escrito em português e francês, tem o primeiro capítulo reservado para a história da coleção, que começou quando a menina Ângela ganhou do pai um oratório com a imagem de Santa Ana talhada em um galho de goiabeira. A partir de então, o gosto pelo objeto de devoção virou uma idéia fixa para a empresária, que não contente em reunir a maior e mais completa coleção de oratórios que se tem notícia no País, ainda tratou de se formar e formar técnicos em restauro e preservação das peças compostas desde o mais tosco talhe à mais sofisticada escultura.
Os oratórios colecionados pertencem, na grande maioria, à tradição barroca da criação religiosa, pelo fato de o período artístico corresponder à época de maior produção de arte e artesanato com finalidade religiosa no Brasil. Mas trata-se do barroco abrasileirado, que tem muita influência do português e do europeu em geral, mas também da cultura popular, esclarece Cristina.
A pesquisadora acrescenta que, apesar da predominância da corrente artística, a variação de influências é bastante abrangente. E essa variação é coerente com a assimilação artística nacional: em um mesmo oratório, pode-se ter referências a elementos da natureza, que marca a presença negra na produção religiosa desde o século 17, e talhes eruditos, que atestam a influência de artistas de ordens religiosas vindos de países europeus, principalmente da França, da Espanha e de Portugal, emenda Cristina.
As diferenças entre os oratórios distribuídos pela publicação apresentam singularidades regionais. Enquanto a simetria e o rigor acadêmico estão presentes em muitas peças cariocas, as que vieram do Nordeste exibem cores vivas, florões grandes e gestos que remetem ao grafismo de cordel e às culturas indígenas da região. Os objetos mineiros, observa Cristina, são os mais discretos, com exceção dos dourados, com adornos miúdos como as rosinhas de malabar.
A mais forte distinção entre os oratórios do acervo, no entanto, são suas funções ou locais de adoração. Assim, o livro foi dividido em modelos diferentes de peças como de Viagem ou Populares Domésticos. O primeiro era confeccionado, normalmente, com um compartimento transportável, como baú ou caixa, que reproduz o padrão da peça que ele guarda. Já os oratórios domésticos, que a pesquisadora acredita serem os mais antigos no mundo, são muitas vezes feitos em lapinhas, pequenas grutas onde o santo era guardado na casa. Entre as peças mais luxuosas da coleção estão os oratórios de alcova. Há ainda a divisão formal entre as peças: oratórios podem ter a forma de ogiva ou de pingente, como uma das menores peças da coleção, de ouro, criada em Diamantina e datada do século 19.

