A arte de colar caquinhos forma museu a céu aberto em Londrina
Instalados em postes, escadarias e bases de concreto, os mosaicos de Rosane Fernandes Araújo têm a admiração dos londrinenses
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 05 de fevereiro de 2025
Instalados em postes, escadarias e bases de concreto, os mosaicos de Rosane Fernandes Araújo têm a admiração dos londrinenses
Walkiria Vieira

A beleza dos mosaicos inquieta e encanta. Feitos com pequenos pedaços de vidro, cerâmica, pedra, conchas, pastilhas de vidro, os mosaícos conquistam pelas cores, formas e composição. Nas ruas de Londrina, o trabalho da escrivã aposentada da Polícia Civil, Rosane Fernandes Araújo, - @rosane.araujo.mosaico - é bastante admirado.
Flores, gatos, peixes, borboletas compõem seu portifolio. Há ainda gestantes, nutrizes e até os famigerados pombos são reverenciados pela artista que há 12 anos cria, produz e instala voluntariamente os trabalhos, sem causar qualquer dano às estruturas da cidade.
Pequenos, em vãos de postes e de modo sorrateiro, rompem o cinza e se fundem ao cotidiano na quietude. Aos transeuntes - caminhantes ou corredores - saltam aos olhos, como se quisessem se apresentar. E causam alegria. Há buquês de flores, costelas de Adão e pés de café. O vermelho, o amarelo e o verde, referências das cores de um semáforo estão em diferentes mosaicos da autora e permitem parar, ficar alerta e seguir mais feliz.

TRAJETÓRIA
Nascida em Londrina, Araújo tem 72 anos e conta que a fama de artista vem desde à infância, quando uma folha de sulfite era transformada em sua tela e fazia das árvores painel de exposição. "Até quando morria um passarinho e as crianças iam enterrar, eu fazia um desenho para colocar por cima da terra", lembra.
O modo instintivo de se expressar era reconhecido pelos familiares e amigos. "Sou de 1952, então os pais não tinham muita noção de aptidões, mas não me censuravam e se divertiam com meu jeito de querer estar sempre desenhando e pintando", sorri. "Quando a acabava uma festa e a criançada ia embora, mesmo que eu ficasse sozinha, logo inventava algo para colorir", conta.
A artista menciona que mesmo em seu ambiente de trabalho, a cor era presente. "Atuei por 30 anos como escrivã e nenhum delegado negou uma parede para mim. Eu levava meus quadros e notava que a arte tinha um papel relevante. Em uma delegacia, as pessoas estão em um momento de fragilidade e ainda que de modo discreto, era possível notar como os olhos delas se voltavam para a arte".
EFEITO COR
De acordo com a autora, há 50 postes com seus mosaicos na cidade. "Estão em regiões como o Centro, Vila Portuguesa, Aeroporto e UEL, cita. "Fiz a recuperação de duas mesas no terro do Lago Igapó e quando estou concluindo o trabalho ou fazendo alguma manutenção, as pessoas param para dizer que ficam felizes de me conhecer e sobre o que gostam. Elas pedem o instagram, algumas dizem que querem aprender, mas nem todo mundo segue fazendo mosaícos, na verdade 97% não continua porque estraga muito as unhas, sorri. "O cimento resseca as mãos e precisa colocar caquinhos, um por um", resume.
A técnica e o passo-a-passo para fazer mosaicos aprendeu com a artista e professora Adélia Paulino Stelling. Com uma filosofia de trabalho que valoriza o aproveitamento, a criadora explica que todo o seu material é fruto de doação. "Eu cato caquinhos na rua", admite. O material de trabalho é oriundo de demolições e até buscas em caçambas. "São verdadeiras relíquias como as pastilhas francesas com mais de meio século e uma vez coloquei minha mãe caçamba para me ajudar porque ela sempre foi bem magrinha, miúda, e era fácil. Ela tinha 80 anos na época e depois não dei conta de tirá-la", admite. A filha arteira divide sua rotina com os cuidados com a mãe, mineira de Pouso Alegre, Veranice Fernandes da Fonseca, 91 anos. Fazer os mosaicos é era uma grande felicidade em sua rotina.

FERRAMENTAS
Com o domínio de ferramentas como o torquês, usada para o corte, consegue para o encaixe perfeito para o que planejou. Espátulas, régua, lápis, borracha, argamassa e cimento se somam à sensibilidade e cuidado para chegar à arte final. A criatividade e o improviso são também habilidades. "O branco é otimo, até os defeitos somem", diverte-se.
Sua maior referência artística é o pintor Van Gogh. "Seu estilo e cores vibrantes", destaca. Sobre seu processo criativo, dispara que tem sempre algo engatilhado. Ao juntar as ideias, os materiais que tem em casa bem cuidados e a vontade de produzir, nunca está parada. "Começo em casa, alguns já vão prontos para a rua e outros faço a céu aberto mesmo, diante das pessoas. Outro dia eu instalava uma mulata, um senhor parou e comentou que gostou muita da proposta da 'formiga.' Isso é natural, está relacionado com a formação, o ponto de vista e a cultura de cada indivíduo e não interfiro na interpretação de cada um. Nesse par de cacos amarelos, há quem veja uma tulipa e há quem enxergue o pac-man, jogo eletrônico". E acrescenta: "A arte é pura, infantil, genuína, ela não precisa ser explicada ou defendida", reflete.

