Os caminhos da escrita de um poema, as motivações que o organizam a partir do caos, o trato com a linguagem e as engrenagens do texto literário são questões que as autoras Luiza Romão, de São Paulo, e Marceli Becker (conhecida como Mar Becker), gaúcha radicada em São Paulo, abordam nesta quarta-feira (4), primeira data da 42ª Semana Literária e Feira do Livro do Sesc, que segue até o domingo (8), nas unidades do Sesc Cadeião Cultural e Museu do Café. A mediação do diálogo - "Os percursos do poema" - é da poeta londrinense Samantha Abreu.

Durante cinco dias e três períodos, o público de Londrina terá a oportunidade de prestigiar cerca de 50 atrações focadas em fortalecer o circuito literário estadual, a formações de leitores e leitoras e o fomento ao mercado livreiro. Nomes consagrados e expoentes da literatura contemporânea nacional integram essa jornada literária.

Tão entusiasmada como o público, a poeta Marceli Becker declara a sua satisfação por esse encontro em Londrina. Antes de sua aterrissagem na cidade, Becker conversou com a reportagem da FOLHA. Para ela, a oportunidade é única. "Acho incrível, especialmente depois de um período de isolamento pandêmico. Há algo insubstituível que se exprime só em presença, com a aparição do corpo ─ talvez seja a clareira da partilha, o "incêndio do mútuo", para citar Maria Gabriela LLansol. Escrever costuma ser um exercício solitário, mas que, sinto, se complementa (e excede, transborda) no encontro com quem lê", afirma.

Mar Becker: "Escrever costuma ser um exercício solitário, mas que, sinto, se complementa no encontro com quem lê"
Mar Becker: "Escrever costuma ser um exercício solitário, mas que, sinto, se complementa no encontro com quem lê" | Foto: Marceli Becker/ Divulgação

Acerca do tema da noite, revela que sua escrita é um contínuo. "Mesmo quando não estou no computador escrevendo, ela subsiste em mim como rumor; surge pela notícia de um vocabulário novo a que me afeiçoo, pelo encontro com uma imagem que me captura, 'levando embora meus olhos', como anotei esses dias, num dos diários que mantenho nesse caminho. Tudo pode ser matéria para a poesia, e, sinto, cabe àquela que aqui escreve "penetrar surdamente no reino das palavras", avançar com olhos e ouvidos atentos (e talvez algum outro sentido cujo nome me escapa). Depois disso, paciência. Escrever muitas vezes pede reescrever, alcançar melhor. E de repente o poema respira", divide.

A dinâmica das mulheres na Literatura é para a poeta momento de festejo. "Tenho celebrado este movimento, o de mulheres que escrevem. Esses dias fui convidada a participar de um encontro com um clube de leitura de Belém do Pará, o "Leia Mulheres", no Sesc Ver-o-Peso. Haviam lido "Sal", que publiquei finzinho de 2022, e perguntavam no encontro sobre minha relação com a escrita".

Para a autora, escrever tem sido como compor um corpo. "As mulheres foram ao longo dos séculos tão apartadas de seus próprios corpos, acho que, quando escrevem (o que quer que seja, diário, poesia, prosa, aforismo...), elas abrem caminho para se reapropriarem desses corpos. A palavra tem esse poder, o de voltar-se àquela que a escreve e "criá-la" também. Dar-lhe voz", declara.

EM PORTUGAL

Em 2023, Mar Becker lançou também o livro "Canção Derruída", editora Assírio & Alvim, em Portugal, uma reunião de textos com poemas de Sal e textos revisitados de "A Mulher Submersa." "É um livro tipo dois em um: incluem-se nele "Sal" na íntegra, que publiquei em novembro do ano passado aqui no Brasil, e uma seção do que chamo de "ecos e variações" de "A Mulher Submersa", meu livro de estreia, num conjunto de reunidos que não traz só variações de poemas já escritos ─ há vários inéditos, desdobrados daquele universo".

Embora não imaginasse, a aceitação acima das expectativas. "Há algumas semanas foi indicação de leitura no programa "Todas as Palavras", que Inês Fonseca Santos apresenta no RTP. Do mesmo modo, não há semana que eu não receba algum retorno do público de lá, via Instagram ou Facebook. Tem me surpreendido, eu mesma receei no começo, me assustei com a ideia de chegar a uma terra nova, em outro país, e fazer parte do catálogo de uma editora que acompanho há mais de quinze anos, através da qual descobri poetas que tenho de cabeceira. Hoje digo: como tem sido lindo", alegra-se.

Diante da poeta e da liberdade poética, pergunto a autora: "Há um limite ou percentual de liberdade poética nesse percurso do poema? "É curioso esse movimento na escrita. Às vezes vou pro computador com uma ideia mais fechada, e meu caminho é então o de escolher o melhor meio de apresentá-la. Outras vezes no entanto a intuição surge aberta; é no durante que o poema começa a surgir, e as próprias palavras insinuam-se inclinadas a esta ou àquela direção. Dá pra suspeitar que tenham vida própria, sabe? Assim sinto nessas ocasiões. Digo então que o poema aí escreve-se a si mesmo, e minha liberdade está em acompanhá-lo, escutá-lo, olhá-lo (pelos interstícios, pelos desvãos), sugerir-lhe aparo de aresta aqui, delírio ali. A autora, pra ele ─ pretexto", diz.

LUIZA ROMÃO

Luiza Romão venceu o prêmio Jabuti 2022, na categoria Livro do Ano, com "Também Guardamos Pedras Aqui"
Luiza Romão venceu o prêmio Jabuti 2022, na categoria Livro do Ano, com "Também Guardamos Pedras Aqui" | Foto: Luiza Sigulem/ Divulgação

Na 42ª Semana Literária Sesc e Feira do Livro, Marceli Becker terá a seu lado Luiza Romão, poeta, atriz e um dos grandes nomes do slam nacional. É mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP). Publicou os livros Sangria (2017) e Coquetel Motolove (2014). Em 2022, ganhou o prêmio Jabuti de Livro do Ano com "Também Guardamos Pedras Aqui (eEd.Nós), obra que cria um diálogo com a Ilíada, de Homero, todos os textos foram criados para cada personagem da epopeia grega, mas com uma visão mais crítica da guerra.

O livro inspirou um curta-metragem homônimo, de 2021, dirigido por Eugênio Lima. Confrontando a obra de Homero que é considerada fundadora da literatura ocidental, os poemas se voltam para criticar a guerra e a destruição de um povo. Fato que podemos, na literatura contemporânea trazer para o Brasil atual, que, mesmo depois de um processo de colonização tão violento, ainda perpetua diferentes formas de canonização da cultura colonial e de extermínio. A violência, aliás, é um tema que atravessa as obras de Luiza Romão.

Em 2022, ela lançou a obra "Nadine" (Editora Quelônio).

SERVIÇO

42ª Semana Literária e Feira do Livro

Quarta-Feira (4)

Diálogo "Os Percurso do Poema", com Marceli Becker e Luiza Romão

Horário: às 19h30

Onde: no Sesc Cadeião Cultural

Valor: Gratuito, sujeito a lotação do espaço.

Local: Sesc Cadeião e Museu do Café

*

Às 18h30: Sessão de Autógrafos, com Luiza Romão e Mar Becker

Público: Livre

*

9h: Visita monitorada

Necessita agendamento

9h: Oficina Música e Poesia, com Ricardo Dantas

Público: Livre

Inscrição antecipada

A Oficina aborda a linguagem da poesia e suas relação com a música: existe diferença? Elas se excluem ou se completam? Ministrada por Ricardo Dantas, licenciado em música pela UEL e músico em diversos projetos artísticos, entre eles a banda londrinense de música e poesia Bônus Trash. É também pesquisador de composição sonora, de hibridismo entre as artes.

*

10h: Contação de histórias - Chuva de Contos, com Cia. FantoKids (Maringá)

Público: Livre

Vamos ouvir histórias contadas pela personagem Cotinha que, de forma lúdica poética e bem-humorada, conduz os espectadores para uma viagem ao mundo da imaginação.

*

13h: Sarau com Grupo de Cantoria do Cadeião

Público: Livre

O grupo do Cadeião se apresentando com grandes clássicos da música popular brasileira, com letras que são verdadeiros poemas.

*

14h: Visita monitorada

Necessita agendamento

*

15h: Contação de histórias - Chuva de Contos, com Cia. FantoKids (Maringá)

Público: Livre

Histórias contadas pela personagem Cotinha que, de forma lúdica poética e bem-humorada, conduz os espectadores para uma viagem ao mundo da imaginação.

*

15h: Oficina - Ilustração de histórias para crianças, com Carolina Panchoni

Público: Livre

Inscrição antecipada

A oficina pretende estimular nas crianças, o prazer pelo desenho para que elas possam usá-lo como ferramenta na construção das próprias narrativas. Vamos procurar histórias interessantes para elas recontarem através da cor, do traço, da forma.

*

17h: Lançamento de Livro:

Mademoiselle Zaira, de Mário Vicenti

Público: Livre

*

Confira a programação completa no site do evento