O Calçadão de Londrina tem atmosfera de mercado como nas grandes cidades. Não chega a ser Marrakesh nem a celebre rua Zé Paulino, em São Paulo, mas passar por ali dá a dimensão do vigor e da necessidade dos que expõem e vendem mercadorias a céu aberto.

Basta colar os ouvidos à avenida, como se fosse um radinho de pilha, para ouvir as histórias.

Um homem registra um terreno para dar como garantia num novo negócio; outro quer trocar o carro mas não quer pôr à venda o atual "a preço de banana". E quanto custam mesmo as bananas? Menos que nos supermercados, bem amarelas e fresquinhas. Os carrinhos de frutas e verduras oferecem mangas e abacaxis com direito a degustação e tem gente que leva não uma, mas duas sacolas.

Tem ainda os vendedores de bugigangas com suas mercadorias expostas no chão para o povo ver "como funciona". Um cachorrinho de pelúcia, preto e branco, usa óculos escuros, late, e ainda saltita pelo Calçadão quando recebe corda.

Mulheres idosas vendem panos de prato com o orgulho de terem bordado ou pintado à mão os sacos de farinha alvejados. Branquinhos, não soltam a tinta nem com vinte lavagens e custam pouco.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Sempre dou uma paradinha desde a esquina do antigo Ponto Frio até alguns quarteirões à frente, no começo da rua Maranhão, para sondar os preços dos eletrônicos vendidos pelos haitianos com fones de ouvido até que chegue o freguês para perguntar quanto custa a caixinha de som. E custa bem menos que nas lojas especializadas. Ainda tem capinhas de celulares, óculos escuros de "grife" duvidosa, canetas luminosas, relógios de todas as "marcas" que ficam bonitos no pulso.

Em dias de feira, o melhor artesanato da cidade também está exposto de forma legalizada, um festival de caprichos. Mas o que gosto mesmo é das conversas e de analisar fisionomias, desde as mais sérias, esperando nas filas dos bancos antes que abram as agências - e haja paciência - até as das crianças eufóricas ou esperneando por um novo brinquedo. Às vezes tem também uma moça chorosa nos bancos e por impulso tenho vontade de perguntar "o que foi?" Mas por respeito à dor mantenho a discrição.

Não vejo mais os engraxates, ficavam ali em frente ao Banco do Brasil. As cadeiras de engraxar tinham porte de tronos, com homens encarapitados lá em cima, enquanto o moleque lustrava do bico ao salto, e ainda passava um paninho nas solas. Não há muitos homens que ainda usam sapatos, os tênis dominam até os pés dos mais velhos, a extinção dos sapatos de couro também tem a ver com a extinção dos engraxates, embora nas ruas paralelas à avenida Paraná os velhos sapateiros ainda resistam - que bom - lembrando a Londrina de antes.

Essas lembranças, essa nostalgia de ver a cidade com olhos de ontem e de hoje me levam a fazer projeções para o futuro. Como será o Calçadão de Londrina daqui a 50 anos? A viagem me empurra para a frente e chego a mais uma esquina em direção ao apartamento na avenida Paraná, cuja localização escolhi para ver o centro de perto, a urbanidade com lentes de aumento.

Só quem vive por ali tem esse "conhecimento" de caixas de som, relógios falsificados e panos de prato. E o cenário confuso de vendedores apaziguados com 10 ou 20 reais no bolso me lembra que o povo sofre nestes tempos obscuros e também se alegra como a criança que ganha o cachorrinho de pelúcia, cheio de corda, para a explorar a vida!

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