Criatividade, resistência e capacidade de se reinventar são características fundamentais na vida de artistas das mais variadas vertentes. Diante da pandemia do novo coronavírus, esses atributos foram colocados à prova em potência máxima por brasileiros que trabalham na área cultural e que há décadas enfrentam crises financeiras que vinham se agravando nos últimos anos e eclodiram em 2020. Impedidos de trabalhar devido ao isolamento social adotado para conter proliferação da covid-19, a luta pela sobrevivência financeira e intelectual exigiu esforços sobre-humanos de boa parte da classe artística nacional.

Num cenário caótico em que muitos artistas dependeram de vaquinhas de amigos para ter o que comer, também houve espaço para muitas histórias de superação. Em entrevista à FOLHA, profissionais londrinenses ligados à cultura relatam os desafios enfrentados neste ano e falam sobre seus planos para 2021.

Adriano Garib: planos para 2021 incluem participação na série "bom Dia Verônica"
Adriano Garib: planos para 2021 incluem participação na série "bom Dia Verônica" | Foto: Divulgação

Adriano Garib: pronto para recomeçar

A pandemia foi responsável pelo retorno de Adriano Garib a Londrina após o ator ter passado mais de duas décadas radicado no Rio de Janeiro, onde atuou em dezenas de novelas, séries, peças e filmes de sucesso. De volta à terrinha, desde agosto ele passou a escrever crônicas para a FOLHA publicadas semanalmente na coluna Rádio Diário. “A pandemia simplesmente fez desaparecer por completo o mercado de trabalho da área de entretenimento. Uma das razões que nos trouxeram a Londrina é o custo de vida, que apesar de alto é bem mais baixo do que no Rio de Janeiro”, relata.

O ator chama a atenção para a situação calamitosa vivida atualmente por muitos colegas de profissão. “Muitos estão vivendo de doações, campanhas solidárias e vaquinhas. Além disso (e isso é o que me parece mais preocupante), muitos estão sofrendo impactos psicológicos devastadores, pois sempre trabalharam ativamente e agora se veem numa situação onde as perspectivas de trabalho num futuro próximo ainda não são boas”, ressalta.

Garib critica a falta de apoio do governo aos artistas e prevê anos difíceis para o setor. “As leis de incentivo obviamente não dão conta de sequer compensar minimamente o estrago causado pela pandemia”. Apesar das dificuldades, o ator se prepara para voltar a atuar em breve. "Tenho dois ou três trabalhos confirmados para o próximo ano. O principal são as filmagens da segunda temporada de 'Bom dia, Verônica', série da Netflix cuja primeira temporada obteve grande sucesso de público e crítica, no Brasil e nos 190 países onde está sendo exibida. Para nós, artistas, enquanto não houver uma imunização em nível nacional eficiente e bem-sucedida, sofreremos os reveses de trabalho e as consequências econômicas disso por um bom tempo ainda. Temo muito por todos nós. Muito”, conclui.

A dupla Felipe & Murillo atingiu 50 mil streamings nas plataformas digitais durante a pandemia
A dupla Felipe & Murillo atingiu 50 mil streamings nas plataformas digitais durante a pandemia | Foto: Divulgação

Felipe & Murillo: sucesso virtual

A suspensão das aulas do curso de Engenharia Elétrica no início da pandemia acabou sendo determinante para a carreira profissional dos irmãos londrinenses Felipe e Murillo Nalin. “A gente se dividia entre estudar durante a semana e cantar em barzinhos e festas aos sábados e domingos. Quando as aulas foram suspensas na faculdade onde estudamos em Cornélio Procópio, alguns amigos criaram contas em nome da dupla nas redes sociais e passaram a exigir que a gente produzisse conteúdo durante a pandemia”, conta Murillo.

Após os primeiros vídeos cantando músicas famosas na voz de outros artistas, a dupla Felipe & Murillo produziu o primeiro videoclipe com uma composição inédita. “Em setembro, postamos a música Carrão Cinco Estrelas e ficamos surpresos com o resultado. A música atingiu 50 mil streamings nas plataformas digitais e o clipe já teve mais de 12 mil visualizações no Youtube”, comenta Murillo sobre a composição assinada por Vinicius Pieri e Pedro Crispim.

Apesar de estarem cientes do momento crítico que o mundo atravessa, os irmãos que cantam desde 2010 creditam à pandemia o sucesso da dupla. “A gente sabe que muita gente tem sofrido com perdas irreparáveis. Mas para nós esse período acabou sendo proveitoso, pois se estivéssemos estudando normalmente não teríamos tempo de nos dedicar à dupla que já existia mas até então só tocava informalmente em bares e festas de Londrina e região, principalmente em Ibiporã, onde moramos por muitos anos”, diz Murillo, 22 anos, que faz dupla com Felipe, 23.

Magali Kleber chegou a ser internada por causa da covid e hoje celebra os recursos da ciência
Magali Kleber chegou a ser internada por causa da covid e hoje celebra os recursos da ciência | Foto: Elvira Alegre/ Divulgação

Magali Kleber: vencendo desafios

Ao longo de sua invejável trajetória acadêmica que inclui título de pós-doutorado em Etnomusicologia e autoria de várias pesquisas e publicações nacionais e internacionais na área social, Magali Kleber já se acostumou a vencer obstáculos diversos. Mas nada que se compare aos desafios profissional e pessoal impostos pela pandemia de covid-19. Após comemorar o sucesso da versão on-line da 40ª edição do Festival Internacional de Música de Londrina (FIML) que aconteceu no início deste mês, a coordenadora pedagógica do evento acabou sendo hospitalizada por ter sido contaminada pelo novo coronavírus semanas após a realização do festival.

Diante do impedimento da realização presencial dos cursos ofertados pelo FIML, que costumam atrair centenas de estudantes de música de todas as partes do Brasil, Magali afirma ter se pautado no compromisso com as novas gerações para criar aulas no formato virtual que estivessem à altura do evento. “Pessoalmente foi essa reelaboração profunda. O balanço é positivo, pois nós aprendemos muito com isso. O mundo agora ficou pequeno, a gente pode fazer uma conferência internacional sem ter que deslocar as pessoas dos seus países, afirma sobre a primeira edição on-line do FIML, que teve cerca de 700 alunos inscritos de 22 estados brasileiros e também dos EUA e Peru.

Ainda internada para tratar da covid-19 quando concedeu a entrevista na última terça-feira (29) , Magali afirma estar passando por uma fase difícil, embora seu quadro tenho apresentado melhoras. “Meu caso não foi gravíssimo. Mas ele me trouxe muito sofrimento. Eu senti muito medo, porque de repente você começa a não consegue respirar direito, sente dores, mal-estar horrível e devastador. Está sendo difícil, mas eu estou conseguindo vencer, com o apoio da minha família e dos amigos”, ressaltou.

Na avaliação da coordenadora pedagógica do FIML, somente o avanço da ciência será capaz de vencer a pandemia. “No começo muita gente morreu porque ainda não haviam descoberto tratamentos eficazes. Agora eu usufruo do trabalho da dedicação de todos esses cientistas do mundo inteiro. Cada vida que é salva está desfrutando desse conhecimento, que veio a duras penas. Temos que valorizar muito os cientistas, porque precisa de um batalhão para salvar uma vida. Temos que valorizar a ciência e agradecer a Deus por tudo que a gente tem”, conclui.