1985: como a FOLHA cobriu a primeira edição do Rock in Rio
Jaelson Lucas, fotojornalista falecido em agosto, cobriu o festival com Dulcinéia Novaes e Ademir Assunção, uma explosão de textos e imagens
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sábado, 21 de setembro de 2024
Jaelson Lucas, fotojornalista falecido em agosto, cobriu o festival com Dulcinéia Novaes e Ademir Assunção, uma explosão de textos e imagens
Walkiria Vieira
Uma relíquia em forma de negativos. Assim deve ser considerado o acervo fotográfico do fotojornalista Jaelson Lucas, falecido em 30 de agosto - após internamento para uma cirurgia cardiológica.
Entre tantas coberturas jornalísticas, a do Rock in Rio, no ano de 1985, é memorável. Durante os 10 dias do evento que foi comparado à Woodstock, o fotojornalista Jaelson Lucas e os repórteres Dulcinéia Novaes e Ademir Assunção foram os enviados especiais da Folha de Londrina para mostrarem aos leitores tudo o que se passava no Rio de Janeiro - que desde aquele período passou a ser considerada a Cidade do Rock.
Em 2024, o evento celebra 40 anos desde a primeira edição - o evento começou no dia 13 e segue até este domingo (22). Ao longo da sua história, são 24 edições, 10 no Brasil, nove em Portugal, três na Espanha e uma nos Estados Unidos. Em 2008, foi realizado pela primeira vez em dois locais diferentes, Lisboa e Madrid. Além destas, duas edições foram canceladas: Madrid e Buenos Aires.
O hino do festival que é de autoria do compositor Nelson Wellington e do maestro Eduardo Souto Neto, ainda ressoa para muitos. Foi gravado originalmente pelo grupo Roupa Nova.
PELAS LENTES DE JAELSON LUCAS
Durante os dez dias de festival – de 11 e 20 de janeiro – eram de quatro a seis apresentações diárias de bandas e artistas brasileiros e internacionais. Cada noite seguia um estilo musical dentro da linha do rock: a mais hard rock, com os grupos AC/DC e Scorpions; a mais romântica, com George Benson, James Taylor e Elba Ramalho; e a mais pop, com Blitz, Lulu Santos e Paralamas do Sucesso.
Na estreia, um público de 470 mil pessoas esteve na Cidade do Rock. Entre os artistas: Queen, Iron Maiden, Whitesnake, Baby Consuelo e Pepeu Gomes, Erasmo Carlos e Ney Matogrosso.
Enquanto os repórteres se desdobraram para descrever ao leitor o que se passava e ainda trazer informações exclusivas, cabia ao repórter fotográfico a responsabilidade de ilustrar, por meio de fotografias, todos os show, bastidores e, mais do que isso, transmitir o clima efervescente e toda a energia gerada pela reunião de tantas pessoas em torno da música.
As fotografias eram em preto e branco. Com habilidade e diante dos recursos, Jaelson se desdobrou. No negativo do registro de Fred Mercury, captado em sua melhor expressão e presença de palco, um filme AGFA, ISO 400. Há granulação, há preto, há branco, há arte. Fotografia significa descrição da luz e os arquivos são prova desse talento.
Ao todo, quatorze expoentes da música internacional estiveram no festival: George Benson, James Taylor, Al Jarreau, Ozzy Osbourne, Nina Hagen, Rod Stewart e as bandas Iron Maiden, Go Go’s, Yes, Whitesnakes, AC/DC, Scorpions, The B-52’s e Queen.
Entre os artistas nacionais que também levaram alegria ao público estavam Gilberto Gil, Alceu Valença, Moraes Moreira, Cazuza, Eduardo Dusek, Ivan Lins, Rita Lee e os grupos Blitz, Kid Abelha & os Abóboras Selvagens, e Barão Vermelho.
ACERVO CERCADO DE HISTÓRIA
Reconhecido pela distinção de suas imagens, Jaelson Lucas foi premiado internacionalmente pelo registro da superlotação de uma penitenciária. Atuou como laboratorista fotográfico e foi fotógrafo no jornal Panorama, na Folha de Londrina, Jornal de Londrina e na revista Placar e encerrou a carreira profissional na Agência Estadual de Notícias.
Pai de Flávia, Lucas, Leonardo e Matheus. Entre os filhos, Lucas Navarro, designer, é o guardião do acervo fotográfico e conta que em 1988, quando foi morar com o pai, encontrou uma caixa de papelão da marca Nikon na garagem. "Era amarela e, em meio a tantas outras coisas, chamou minha atenção. Ao abrir, descobri mais de mil negativos enrolados, todos em preto e branco. Curioso, puxei um dos negativos e, para minha surpresa, era uma foto de Freddie Mercury. Naquele momento, me apaixonei por aquele material".
À época do primeiro Rock in Rio, Lucas tinha apenas três anos de idade, cresceu vendo o pai trabalhar com o que amava, guarda muitas recordações e lembra-se de ouvir o pai contar sobre o Rock in Rio. "Quando ele viu tantas pessoas cantando 'Love of My Life', junto com Freddie Mercury", foi marcante"
Mesmo sem a internet, Lucas Navarro tentou encontrar esse vídeo e, mesmo não conseguindo na época, já sabia que a emoção que ele descrevia era incrível. "Ele também me falava do show do AC/DC e do momento em que os fotógrafos precisaram ficar longe do palco por causa da pirotecnia. Essas histórias me transportavam para momentos mágicos. Ele cobriu o evento pela Folha de Londrina e teve o privilégio de viver tudo isso de perto", relata o designer.
Quando voltou a morar com sua mãe, levou consigo os negativos. "Nós sempre conversávamos sobre fotografia, e, mesmo à distância, ele sempre me perguntava sobre os negativos. Eu dizia que estavam guardados, pois ele os havia deixado na garagem", ratifica. Em 2006, o repórter fotográfico pegou de volta os negativos dizendo que iria guardá-los.
Lucas Navarro conta que o pai foi morar em Curitiba. "Eu continuava pedindo os negativos de volta. Eles não eram importantes apenas pelo meu amor pelo rock, mas porque simbolizavam uma conexão entre nós – algo que, apesar da distância e da ausência, nos mantinha próximos", sintetiza.
"Eu pedi tanto pelos negativos que, já casado, ainda insistia com meu pai. Então, em 2020, durante a pandemia, ele veio me visitar e, para minha surpresa, me trouxe e me deu os negativos, após todos esses anos. Aquele dia foi muito especial, porque não se tratava apenas de um material fotográfico. O gesto dele mostrou cuidado e carinho, e me fez sentir importante por ter recebido algo que desejei tanto. Mais do que fotos – foi a prova de que ele se importava", confessa.
Após a partida de seu pai, digitalizar esses negativos trouxe a ele uma mistura de sentimentos: amor, saudade e tristeza. "Carreguei esses negativos comigo por muito tempo, e embora já tivesse digitalizado alguns antes, a perda do meu pai tornou esse processo ainda mais significativo. Mesmo que fosse doloroso, era reconfortante saber que eu tinha algo tão precioso para me lembrar dele", diz.
Com uma admiração e respeito ímpares, o designer considera o profissionalismo do pai fotógrafo incrível. "Hoje, o aspecto vintage dessas fotos tem um valor ainda maior, tanto pela arte quanto pela história. Afinal, existem poucos registros desse evento em particular, e meu acervo é algo grandioso – não só para mim, mas também para a história. Muitos dos artistas retratados, como Rita Lee, Freddie Mercury, Cazuza e Erasmo Carlos, já não estão mais entre nós", observa.
Com o rock n’ roll na veia, ele tem muita satisfação pelo feito do pai. "Respiro rock, amo rock, e saber que meu pai esteve lá, em 1985, no mesmo ano do Live Aid, o ano que marcou o nascimento de uma história que virou memória – é muito especial. Foi muito amor, muita dedicação. Onde quer que ele esteja, quero que saiba que eu e todos os meus irmãos somos admiradores de sua arte e da emoção que ele capturou", afirma.
Sobre a habilidade do pai, enaltece o que há de melhor. "Meu pai era um homem de personalidade forte, mas uma coisa ele sempre soube: capturar momentos. Ele costumava dizer que o fotógrafo vê o mundo de acordo com quem ele é. Eu tenho muito ciúme desse material, porque ele tem um valor emocional enorme para mim. É como uma viagem no tempo, um abraço, uma forma de reviver tudo o que vivemos. Sei o quanto ele era bom no que fazia, e espero que todos possam apreciar a beleza do instante decisivo que ele capturou e a arte por trás de cada fotografia".
Uma parte interessante é que Matheus, meu irmão caçula, na época, não conhecia profundamente o material, pois era algo muito novo. Hoje, ao redescobri-lo, ele se encanta com essa arte que já não se vê mais. Admirado, percebe o quanto é importante para ele conhecer e admirar a habilidade e a sensibilidade presentes em cada detalhe".
2024: O ÚLTIMO FIM DE SEMANA DO EVENTO
Múltiplo, o Rock in Rio não segue mais à risca a originalidade e, para alguns fãs do rock raiz, descaracterizou-se. Críticas à parte, o fato é que a atração concentra ainda público que não pode ser desprezado e a diversidade de gêneros, ao que tudo indica, veio para ficar - e agradar plateias cada vez mais plurais.
Neste último fim de semana, por exemplo a programação segue do MPB ao rock nacional e enaltece artistas como Ney Matogrosso, Leila Pinheiro, Roberto Menescal, Wanda Sá. O Trap, subgênero musical do hip hop, traz Cabelinho, Filipe Ret, Kayblack, Matuê, Orochi, Ryan SP, Veigh, nomes mais que aguardados.
Baianasystem, Carlinhos Brown, Daniela Mercury, Majur, e Gaby Amarantos compõem o Palco Mundo. Para os fãs de sertanejo, shows de Chitãozinho e Xororó, Orquestra Heliópolis, Ana Castela, Júnior, Luan Santana e Simone Mendes. Encerram o sábado: Capital Inicial, Detonautas, NX Zero, Pitty, Rogério Flausino e Toni Garrido.
Com transmissão ao vivo no Globoplay, Multishow e Canal BIS, o evento acaba neste domingo (22) com as apresentações de Luísa Sonza, Ne-Yo, Akon e Shawn Mendes, Mariah Carey, Dubdogz, LZ da França, Belo, Lia de Itamaracá, DJ Topo, entre as dezenas de artistas - nos diferentes palcos do megaevento.