Se você visitar o Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, vai encontrar uma sepultura peculiar. Na lápide, gravado no mármore, poderá ler o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino.”

Foi o próprio Sabino que escreveu o epitáfio rimado antes de falecer em 2004, um dia antes de completar 81 anos de idade. A infância foi um tema recorrente na literatura do escritor mineiro. Em uma crônica, escreveu: “Quando era menino, me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse. Se me perguntassem hoje, responderia: quando crescer, quero ser menino.”

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Fernando Sabino nasceu dia 12 de outubro de 1923, em Belo Horizonte. Exatamente no Dia das Crianças. Como parte das comemorações de seu centenário de nascimento, a editora Record está lançando uma edição especial de “O Encontro Marcado”. Publicado originalmente em 1956 e considerado uma das principais obras do escritor, o romance narra a trajetória existencial, da infância à idade adulta, do personagem Eduardo e de toda uma geração. A edição especial traz a reprodução de uma carta de Clarice Lispector endereçada à Sabino após o lançamento do livro em 1956.

Sabino publicou seu primeiro livro, “Os Grilos Não Cantam Mais”, em 1941, com apenas 17 anos, com dinheiro do próprio bolso. Um dos exemplares caiu nas mãos do poeta modernista Mário de Andrade (1893 – 1945) que logo se tornou amigo do jovem Fernando através de cartas.

Ao longo de sua carreira literária, Sabino publicou mais de 40 livros envolvendo vários gêneros literários – romances, contos, crônicas e novelas. Mas foram suas histórias publicadas em jornais e revistas que o consagraram como um dos grandes cronistas da literatura brasileira – ao lado dos igualmente mineiros Rubem Braga (1913 – 1990) e Paulo Mendes Campos (1922 – 1991).

GRANDES CRÔNICAS

Para exemplificar a capacidade de comunicação que as crônicas de Fernando Sabino tinham com o leitor, basta lembrar um fragmento da crônica “As Coisas da Vida”:

“– De onde eu vim, mamãe? – perguntou o menino.

Ela aproveitou a ocasião e foi falando logo na semente que o papai plantou na mamãe.

– Papai planta uma sementinha na mamãe, a barriga dela vai crescendo, e no fim de nove meses o filhote sai por um buraquinho. E foi que você veio, todo mundo vem assim: você veio da barriga da mamãe.

E o menino, com um suspiro de tédio:

– O Tuca veio da Bahia. O Bebeto veio de Minas. Todos os meus amigos sabem de onde vieram, só eu não sei. Queria saber de onde é que eu vim.”

Mesmo sem nunca ter lido um livro de crônicas de Fernando Sabino, você já leu alguma crônica de Fernando Sabino na escola através da coleção “Para Gostar de Ler”. Criada pela editora Ática em 1975, a coleção apresentava literatura e o prazer da leitura ao público infanto-juvenil através do gênero crônica. Os primeiros 5 volumes da coleção reuniam crônicas de Fernando Sabino, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade. Esses volumes são utilizados até hoje como material paradidático no ensino de literatura e língua portuguesa em escolas públicas e privadas.

Além de cronista e escritor, ao longo da profissão Sabino atuou como jornalista, documentarista, editor e baterista. A atividade mais peculiar fatalmente recai sobre sua carreira como baterista da banda carioca The Ramblers Traditional Jazz Band. Uma carreira de curta duração. Como editor, junto com Rubem Braga, criou a Editora do Autor em 1960. Em 1967, novamente em parceria com Rubem Braga, criou a Editora Sabiá, empreitada de maior sucesso que publicou autores como Gabriel García Márquez, Cecília Meireles, Pablo Neruda, Vinicius de Mores e Mario Vargas Llosa. A Sabiá fechou suas portas em 1972 quando foi vendida para a editora José Olympio.

O DESASTRE COM ZÉLIA

Considerado uma simpatia de pessoa, sua fama literária foi abalada quando publicou, em 1991, o livro “Zélia, Uma Paixão”. Tratava-se de um romance-biografia que retratava a economista Zélia Cardoso de Mello, Ministra da Fazenda do presidente Fernando Collor de Mello, seu primo. Quando assumiu o cargo em 1990, Zélia instituiu o famigerado confisco da poupança de toda a população brasileira, um trauma nacional.

Enquanto empresas fechavam suas portas, aposentados tiravam a própria vida, pais de família perdiam tudo, empreendedores perdiam o rumo, o mundo se descabelava e a economia caminhava para o abismo, Zélia vivia um tórrido romance com Bernardo Cabral, Ministro da Justiça do governo Collor. No final da confusão ela deixaria o cargo em 1991, se casaria com o humorista Chico Anysio, se mudaria para os Estados Unidos e nunca mais colocaria os pés em solo brasileiro.

Sabino apresentava Zélia como uma personalidade fascinante e digna de louros. Na capa do livro aparecia a frase: “O romance da figura mais surpreendente de nossa vida pública nos últimos tempos”. O cronista foi linchado e hoje o livro figura como uma enorme mancha no currículo literário de Sabino.

O HOMEM NU

No final da década de 1950, o escritor criou uma crônica que se tornaria extremamente popular: “O Homem Nu”. Segundo a lenda, a história foi inspirada em um fato vivido por Sabino. Um belo dia de manhã, um sujeito acorda pelado e resolve abrir a porta do apartamento e apanhar o jornal no corredor. “Coisa rápida, ninguém vai ver”. O problema é que, ao dar um passo para fora, o porta bate com o vento e se tranca – e o sujeito fica preso do lado de fora completamente pelado. O que acontece a partir disso a crônica transforma em possibilidades infinitas. A história ganhou duas versões para o cinema. A primeira em 1968 com direção de Roberto Santos (com Paulo José no papel principal), a segunda em 1997 com direção de Hugo Carvana (com Cláudio Marzo no papel principal).

Sabino adorava doce de coco. Um tipo de doce que lembrava infância: “O verdadeiro manjar dos deuses. A calda de suculento amarelo Van Gogh, o açúcar bem dosado, as gemas de ovo em generoso número, a consistência no ponto exato, segundo as leis de secreta ciência transmitida de mães e filhas através dos tempos nas cozinhas brasileiras.”

Em comemoração aos 100 anos de nascimento de Fernando Sabino, parece doce lembrar a crônica “Um Pouco de Doçura”, presente no livro “No Fim Sempre Dá Certo”. Nesse texto, o cronista deixou registrado: “Um pouco de doçura não faz mal a ninguém. Todo brasileiro deveria ter o direito não apenas de saciar sua fome, mas também de merecer como sobremesa o seu doce predileto desde menino. A ideia pode parecer insensata, mas é daquelas coisas simples pelas quais os homens morrem.”

SERVIÇO::

“O Encontro Marcado – Edição Especial”

Autor – Fernando Sabino

Prefácio – Michel Laub e Adauto Leva

Editora – Record

Páginas – 336 (capa dura)

Quanto – R$ 109,90