E se uma das vítimas do predador Harvey Weinstein, desesperada ao se defender de seu agressor, atirasse na cabeça dele? Isso contaria como legítima defesa ? E como seria o processo judicial sobre esse crime?

Esta é apenas uma forma um tanto simplória de interpretar “Meu Crime” - em cartaz a partir de segunda-feira (7), em Londrina - delicioso novo filme (2023) do muito produtivo francês François Ozon, freguês de carteirinha da programação alternativa da sala UEL/Cine-Com-Tour/Cine Ouro Verde, com mais de uma dezena de longas exibidos entre 2005 até hoje. As semelhanças entre a época em que ocorrem os fatos no filme – meados do século 20 – e estes nossos tristes tempos são óbvias demais para serem ignoradas. Resumo da ópera (opereta?): a trama é sobre uma atriz jovem e atraente que visita poderoso produtor de cinema para conseguir papel em um novo filme. Em meio à entrevista, o homem revela-se um brutal predador sexual. Ela admite tê-lo matado com a própria arma dele. Durante o processo judicial, a jovem usa todas suas habilidades de interpretação para convencer o júri de sua inocência (é quando o discurso do filme se revela particularmente eficaz). Mas há divertidas maquinações como recheio. Seria ela de fato a assassina? Pois há outras pessoas que reivindicam o crime.

O engraçado é que esta não é uma análise acadêmica, sóbria, pesada sobre poder e gênero, mas uma comédia meio insana, ambientada na Paris dos anos 1930. É uma peça de 'vaudeville' hilária , estilosa e recheada de referências nítidas ao presente. Ozon captura perfeitamente o estilo de filmagem daquela década, incluindo atuações over, diálogos espirituosos e as reviravoltas contínuas na trama, cada uma mais improvável que a outra.

É claro que Ozon e todo o elenco se divertiram muito fazendo “Meu Crime”. Ele inseriu pequenos filmes dentro do filme (estilo cinema mudo), usou locações maravilhosas dos anos 30 (como a Villa Empain, em Bruxelas), escalou o “monstro” Isabelle Huppert em uma das partes mais memoráveis do filme e deixou que o humor pontuasse. Outra virtude é que não é longo – ao contrário de muitos filmes desta nova Hollywood, sobrecarregados com efeitos rebarbativos.

“Mon Crime” é definitivamente um thriller de comédia à moda antiga, sem nenhuma emoção extraordinária a ser descoberta. A não ser a leveza de um gênero, suficiente para manter um permanente sorriso de bonomia no rosto do espectador durante a maior parte do tempo de execução. Sempre preferi François Ozon quando ele está de bom humor (“Potiche”, “8 Mulheres”) e com certeza ele está de bom humor aqui, renovando um texto teatral de George Berr e Louis Verneuil, já filmado duas vezes antes, e dando ao roteiro um novo brilho, desde o começo dispensando o realismo e optando pela inteligente estratégia da farsa, da critica social, do veneno da sátira.

Este certamente não é um filme de ponta. Mas é produto bem feito, muito divertido, que não tem nenhum momento de debilidade. Por isso, mesmo um Ozon “menor” pode ser um verdadeiro deleite. E para os fãs de Isabelle Huppert, enorme surpresa é o descaramento de sua maravilhosa veia histriônica, como pede o figurino da trama. Para não perder.

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