De Chiloé (sul do Chile) a Guadalajara (México), o fotógrafo carioca Rafael Baró registrou com sua máquina fotográfica, em uma aventura inédita, as diversas culturas indígenas remanescentes na Cordilheira do Andes. Foram 15 mil quilômetros, em 19 países. Com o inverno rigoroso deste ano, o fotógrafo decidiu atrasar seu cronograma – a previsão, de 14 a 20 meses, foi estendida para, no mínimo, três anos.
Rafael encontra-se, no momento, dando a volta nos 600 quilômetros que circundam o Lago Titicaca, na fronteira da Bolívia com o Peru. A finalidade é conhecer a fundo as riquezas arqueológicas e a história viva que envolve a região, como a exótica cultura dos Uros, que moram em casas flutuantes de totora no lago.
Viajando a pé ou de carona, sem pressa, o fotógrafo busca a concentração e acredita que, dessa forma, a vivência e o contato com os índios tornam-se mais intensos, o que enriquecerá de forma significativa o seu trabalho final.
A arrancada
A odisséia de Rafael teve início em 3 de fevereiro deste ano, quando Rafael colocou a mochila nas costas, a câmera na mão e partiu da capital paranaense... de carona mesmo! Seu rumo era Corumbá (MS), fronteira com a Bolívia. Ainda em território brasileiro, resolveu parar em Bonito, também no Mato Grosso do Sul, onde, graças ao apoio de empresas de ecoturismo, pôde apreciar a exótica beleza natural da região. Mergulhou nos límpidos rios, famosos pela quantidade de peixes coloridos, fez algumas caminhadas e, ainda, deu umas voltas de barco explorando recantos intocados de Bonito.
Hospitalidade e solidariedade caracterizaram a viagem. Os apoios e a ajuda de famílias e empresas que Rafael conheceu pelo caminho viabilizaram a ele alimentação, estadia, deslocamentos e até acesso à Internet, para corresponder-se com família e amigos. Sem dúvida, uma aventura para poucos.
Mas é graças a este espírito de fraternidade, característico dos povos andinos, que o fotógrafo acredita poder resgatar os valores esquecidos destas culturas. As comunidades indígenas em todo o mundo vem sofrendo, ao longo dos séculos, contínuo preconceito e desprezo por parte da sociedade. Segue um trecho de um e-mail enviado por Rafael no último dia 29 relatando a recente greve geral dos camponeses bolivianos:
– Estou em Copacabana, no lado boliviano do Lago Titicaca. Voltei a poucos dias de Cuzco, Peru, e ao cruzar a fronteira fiquei sabendo da confusão política que atravessa mais uma vez a Bolívia. Não se preocupem, em Copacabana está tudo tranquilo... até demais. Não tem uma viva alma na cidade. Ninguém pode entrar nem sair, pois o movimento camponês bloqueou todas as estradas do país. Parece que não vai demorar muito para que se resolva o problema. Me assombra a capacidade de articulação e movimento dos camponeses. Penso que sobram justificativas para parar o país. A classe rural nunca foi aceita pelo resto da sociedade, ou melhor, nunca teve acesso ao seio da sociedade civil, do Estado boliviano. Inclusive, eles são anteriores ao Estado, eles são indígenas!Momentos de desespero
Era de se esperar, numa aventura como essa, apertos e situações-limites daqueles que ficam para sempre na memória. Em certa ocasião, Rafael acompanhou um grupo de belgas numa caminhada por alguma das tantas montanhas dos Andes bolivianos. Liderado por guias locais, após uma longa caminhada, o grupo resolveu parar num platô para o acampamento.
Faltavam ainda umas quatro horas para anoitecer e Rafael, juntamente com Donella, uma amiga australiana, queria conhecer um lago remoto oriundo de uma geleira, que segundo o guia tinha um visual alucinante e ficava a apenas uma hora de caminhada, montanha acima. Com o céu limpo, os dois resolveram arriscar, deixaram os equipamentos na parada e começaram a subir.
Durante todo o caminho, Rafael procurava observar referências nas pedras. Chegaram ao lago, admiraram a beleza exótica do local, sem um sinal de vida por perto. O branco das geleiras se confundia com o prateado do lago e as nuvens de algodão. A sensação era de estar em um lugar incomum.
O problema chegou sem prévio aviso: como a temperatura começou a cair, as nuvens baixaram e, num instante, viram-se envoltos por um denso nevoeiro – estavam dentro de uma nuvem. Nervosos e ‘mortos’ de frio, tentavam identificar a trilha de volta com a única lanterna que tinham – até que ficaram sem bateria.
Todas as pedras pareciam iguais. Perderam-se. Já à beira do desespero, Rafael tentou acalmar Donella tentando achar um equilíbrio para a absurda situação. Começou a juntar palha e folhas para protegerem-se do frio e da umidade – não havia abrigo. Quando foi buscar água, o milagre: Donella ouviu vozes ao longe e viu luzes de lanterna. Comunicando-se através dos ecos dos gritos, os guias foram se aproximando até que os acharam. Salvaram-se!
Mas ainda tinham que descer até o acampamento. Demoraram três horas. A péssima visibilidade, devido à total escuridão, e a descida extremamente perigosa, beirando penhascos e precipícios, deixaram todos exaustos.
– A partir dessa noite, prometi nunca mais subir uma montanha sozinho - desabafou Rafael, emocionado.
Outro triste acontecimento foi o furto de suas duas câmeras fotográficas, duas Nikon FM 2, com filmes de sua visita ao Monte Sajama, onde esteve a mais de 5 mil metros de altitude. Aconteceu numa rodoviária, em Oruro, onde fez escala, dirigindo-se a La Paz. A preocupação com o equipamento em uma viagem fotográfica é contínua e estressante. Ao menor descuido, perde-se. Os ratos (ladrões) conhecidos em todos os idiomas são oportunos e ligeiríssimos. Descansando em uma cadeira na rodoviária, Rafael tirou a pochete, onde carregava duas das três câmeras fotográficas, e a deixou em outra cadeira ao seu lado. Virou a cabeça para conversar e, quando retornou, já era: a pochete havia sumido. Levantou-se, correu de um lado para o outro, em vão. Era tarde.
Nenhum destes inconvenientes abalaram a determinação do fotógrafo em completar o seu projeto. Inúmeras foram as realizações e os momentos de pura harmonia com a Cordilheira e suas comunidades. Rafael é padrinho de Robertito, um bebê indígena de 6 meses que foi batizado durante sua visita ao povoado indígena de Chipayas, na Bolívia.
Como segue a viagem
Após completar a volta no Titicaca, o aventureiro pretende descer por uma trilha pré-colombina, Ruta del Oro, até alcançar os indígenas do grupo Yungas, perto da fronteira chilena.
– Dali vou encarar o deserto do Atacama, cruzando o Salar de Uyuni por uns 200 quilômetros até chegar em San Pedro de Atacama. A idéia é descer até Chiloé e visitar algumas reservas Mapuches, grupos indígenas da região. Farei este trajeto até se aproximarem as festas de dezembro, quando pretendo dar uma escapada para casa e ficar por um mês. Para o final de janeiro retorno para o sul do Chile, no lugar interrompido, e retomo a rota para o norte, para o México.