SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Remilin Baptista estava eufórica e não parava de ser abraçada pelas companheiras.

"Você conseguiu pegar um pênalti?"

"Peguei!"

Não há perspectiva de prêmio em dinheiro, medalha ou entrevistas na TV. Mas colocar a sua equipe, o Loucos & Malucos Futebol e Samba, na final de um torneio de várzea vale muito mais do que a maioria consegue alcançar.

É tão importante que o time derrotado, o Domínio no Pé, não aceitava o resultado nos pênaltis após empate por 0 a 0. Reclamava que uma das cobranças teria sido irregular. O treinador prometeu apresentar "um recurso" e "tumultuar tudo".

O campeonato é a Copa Camisa 10, o primeiro torneio de futebol feminino de várzea em São Paulo. Grande parte do motivo do êxtase das vencedoras e revolta das vencidas é ter a chance de disputar a final na sede do Corinthians, no Parque São Jorge, em 12 de junho.

"O objetivo é tentar dar visibilidade ao futebol feminino e oferecer às comunidades a chance de disputar um campeonato gratuito, que todas possam jogar", afirma Ana Rosa Enriquez, coordenadora do Instituto Por Mais Alguém, ONG responsável por organizar a competição que envolve 36 equipes entre futebol de campo e futsal. São cerca de 650 jogadoras no total.

O número poderia ser muito maior. Boa parte dos clubes de várzea possui elencos masculino e feminino. Mas essas equipes não têm como financiar a condução aos sábados para o campo no Butantã, zona oeste de São Paulo, onde são realizadas as partidas.

O espaço de uma associação local é cedido pela prefeitura. Deve-se tomar cuidado com o barulho. Mesmo o apito da arbitragem pode incomodar e provocar reclamações dos vizinhos.

Existe apoio do governo do estado, mas o orçamento é suficiente apenas para bancar a organização, oferecer água e camisas para as atletas. As campeãs vão receber troféus. E só. É impossível dar qualquer premiação financeira.

É comum as equipes de várzea, apesar do espírito amador, pagarem a seus melhores jogadores e darem bichos por vitórias. No feminino, isso inexiste.

"É como no futebol principal. Quem consegue incentivo é o masculino. As mulheres, não", observa Ana Rosa.

Isso não impede Stephany Camille de sonhar. A zagueira de 19 anos do Loucos & Malucos já se cansou de ouvir que não daria certo. Ela não servia para ser goleira por ser pequena demais. Já deveria estar fazendo outra coisa da vida, em vez de pensar em futebol.

A facilidade de jogar com os pés a fez trocar de posição porque concluiu que seu 1,63 m era pouco mesmo para "catar no gol", como diz. Na defesa, encontrou-se.

"Não sei onde estaria sem o futebol. Ele me salvou. Não fosse pelo futebol, teria me envolvido com coisas ruins, amizades erradas", afirma ela, que atua pela equipe do Morro Doce, zona norte da capital, perto de Osasco, mas mora em Heliópolis, a maior favela de São Paulo, com cerca de um milhão de habitantes.

O campo tem trechos sem grama. Cada disputa de bola ou carrinho levanta terra. Familiares e torcedores que foram em caravana acompanhar os jogos gritam em todas as divididas. As vitórias provocam invasões de campo para comemorar. Não há como dizer que não vale nada.

As irmãs Adriana e Mariana Salazar bem sabem. Elas atuam pelo Garotas do Promorar, do Jardim Elisa Maria, zona norte da capital. Uma equipe familiar de futsal, que foi criada pelo pai delas, Raimundo, em 1985, e já teve como jogadora a mãe, Dinaura.

Adriana, a fixa do time, lembra-se do tempo em que tinham de disputar espaço com os meninos em quadras escolares. Começaram a chegar cada vez mais cedo porque quem estava lá antes já começava a jogar. Mariana é a goleira.

"Até que a gente, para conseguir usar a quadra, começou a enfrentar os meninos porque quem ganhava não saía. Então, nós tínhamos de vencer", relembra Adriana. Isso costumava acontecer.

As Garotas do Pormenor também têm participação de outros integrantes da família Salazar. A Copa 10 é a chance de consolidar ainda mais o nome do time, que costuma se aproveitar de anos de eleições, como é 2022, para obter doações de políticos. Fora isso, é tudo muito difícil.

Não que inexistam compensações. O técnico é Sidnei, entregador de loja de móveis durante a semana. Ele tinha outra equipe de garotas no passado e certa vez enfrentou as Garotas do Promorar. Como não havia ninguém para apitar, assumiu o papel. No meio do amistoso, teve a temerária decisão de marcar uma falta cometida por Adriana.

Ela achou que tinha sofrido a infração e começou a bater boca com o juiz. No meio da discussão, perdeu a paciência e lhe deu um murro no peito.

Adriana e Sidnei hoje são casados.

"Dei um soco, e ele se apaixonou."