Um pouco de doçura
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terça-feira, 28 de março de 2000
Um pouco
de doçura
Passei uma semana fora de combate, vítima de uma de minhas entranhas. Caprichos viscerais. Uma delas não vinha jogando nada bem. Meu médico chamou-a às falas. De bisturi em punho, aparou-lhe as arestas. E cá estou eu, de volta aos campos, às quadras, aos ginásios, às piscinas, com o olhar sempre encantado pela beleza do esporte que sempre será o meu melhor estado de graça.
Que esta crônica de reencontro seja, toda ela, repassada de doçura. Pela ressurreição de Ronaldinho, que bateu bola, em Milão, inteiraço. Pelo retorno de Maurício à seleção nacional de vôlei: mãos que pensam. Por um lindo jogo a que assisti entre as moças do BCN e do MRV: mãos triunfais. Por uma medalha com a figura mítica de Heleno de Freitas que me mandou a cidade de São João Nepomuceno: a estrela solitária, cintilante, cósmica, no peito do ídolo, quanta saudade!
Pela consagração de Carlos Heitor Cony, feito imortal pela Academia Brasileira de Letras: honras ao Fluminense, por cuja camisa palpita o coração do grande escritor. Pela visita ao Rio, há dias, do goleiro Gordon Banks: mãos que pressentiram uma das centelhas mais fulminantes de Pelé, no mundial de 70. Pelo gesto generoso de Dunga, que deu, de mãos beijadas, a uma entidade caritativa a expressiva indenização paga pelo Inter na rescisão de seu contrato: um exemplo de solidariedade humana, numa classe de gente tão alienada.
Enfim, momentos de minha convalescença que me permito dedicar ao ilustre cidadão que me operou: doutor Paulo Rodrigues: mãos videntes, mãos de amuleto.
Lembrança de um milagre
A história universal dos goleiros jamais esquecerá Gordon Banks. Campeão mundial de 66, na Inglaterra. Herói e um tanto mártir como todo goleiro que se preza. Banks passou pelo Brasil, visitante ilustre. Mensageiro de uma causa nobre que é abrir as portas do esporte a crianças desafortunadas.
Banks conversou com Andréa Escobar, repórter e produtora do Esporte Real. Da entrevista, destaco as seguintes opiniões do memorável goleiro: 1) A seleção inglesa de 70 era melhor que a de 66, campeã mundial; 2) Logo depois da Copa de 70, ele recebeu um telegrama do Rio, convidando-o a vir jogar pelo Flamengo. Não se perdoa ter declinado da proposta. Não veio por puro medo de jogar no exterior; 3) Concorda com Pelé sobre o malefício que o excesso de dinheiro causa ao futebol como atividade social; Banks considera cruel o regime profissional que enche de dinheiro os clubes grandes e deixa a maioria, penando, no ora-veja; 4) O dinheiro, ainda segundo Banks, explica tanta violência no futebol mundial; 5) Uma exceção em matéria de brutalidade no futebol: a seleção brasileira, com a qual as seleções européias ainda têm muito que aprender.
Gordon Banks recordou a defesa magistral com a qual ele salvou um gol certo de Pelé (uma cabeçada) no Brasil 1 x Inglaterra 0, de Guadalajara-70. Diz que foi movido pelo reflexo. Ele não imaginou que alguém pudesse alcançar uma bola que chegava tão pelas alturas: De repente, eu vi o Pelé subindo, subindo, subindo, até acertar a cabeçada fulminante.
Rubinho, um querubim
Rubens Barrichello passou por Interlagos, deixando o travo de um triunfo que se frustrou num capricho da máquina. Barrichello! Ah como deve ser árdua senão patética a sina de um jovem piloto condenado pela mídia a carregar, na mesma corrida, o duplo fardo de ser o novo Ayrton Senna e de encarnar um símbolo de velocidade, de arrojo e de vertigem que é um carro da marca Ferrari. Se mal pergunto, não estará havendo um certo exagero jornalístico? Será humano promover a super-homem um piloto que ainda tem tanta estrada pela frente?
Rubinho o tratamento carinhoso já diz tudo tem um jeitinho de querubim que não se casa com as asperezas da máquina. A Fórmula-1 tem um quê de satânica que não entrevejo no rosto quase angelical de Barrichello. Deus permita que eu esteja errado; e que Rubens Barrichello esteja apenas escondendo, na face cordial, os enigmas mil enigmas que teciam a alma insondável de Ayrton Senna.
RÁPIDAS E RASTEIRAS
- O Campo dos Afonsos recebe, amanhã, seu mais novo troféu: o avião Ventura, todo restaurado pelo idealismo de criaturas como o brigadeiro (e meu querido amigo) Magalhães Motta. O Ventura, que hoje pousa no Museu Aeroespacial, é a própria memória da primeira unidade aérea de combate da FAB. Calorosa lembrança do ano de 1943.
- Vi, na Tevê, o jogo de Guga com o croata Ivanisevic, no torneio de Miami. Perfeito! Ousado, sem ser abusado. Consistente sem ser inconsequente. O Guga dos nossos sonhos.
- Robert Scheidt emplaca um tetra na Laser. O moço é, mesmo, um admirável velejador. Sidney haverá de consagrá-lo uma vez mais.
- A medicina olímpica segue combatendo a sinistra nandrolona, versão sintética do hormônio masculino testosterona. A barra é das mais pesadas. Basta um exemplo: só o tal de Maximuscle, suplemento que contém nandrolona, patrocina 300 atletas; são ciclistas, pugilistas, jogadores de rugby e de futebol na Europa.
- Eis alguns danos orgânicos provocados pela nandrolona: afeta seriamente o fígado, lesa o coração; além de provocar queda de cabelo no homem e de fazer nascer barba e bigode em rosto de mulher.
