Um pouco
de doçura
Passei uma semana fora de combate, vítima de uma de minhas entranhas. Caprichos viscerais. Uma delas não vinha jogando nada bem. Meu médico chamou-a às falas. De bisturi em punho, aparou-lhe as arestas. E cá estou eu, de volta aos campos, às quadras, aos ginásios, às piscinas, com o olhar sempre encantado pela beleza do esporte que sempre será o meu melhor estado de graça.
Que esta crônica de reencontro seja, toda ela, repassada de doçura. Pela ressurreição de Ronaldinho, que bateu bola, em Milão, inteiraço. Pelo retorno de Maurício à seleção nacional de vôlei: mãos que pensam. Por um lindo jogo a que assisti entre as moças do BCN e do MRV: mãos triunfais. Por uma medalha com a figura mítica de Heleno de Freitas que me mandou a cidade de São João Nepomuceno: a estrela solitária, cintilante, cósmica, no peito do ídolo, quanta saudade!
Pela consagração de Carlos Heitor Cony, feito imortal pela Academia Brasileira de Letras: honras ao Fluminense, por cuja camisa palpita o coração do grande escritor. Pela visita ao Rio, há dias, do goleiro Gordon Banks: mãos que pressentiram uma das centelhas mais fulminantes de Pelé, no mundial de 70. Pelo gesto generoso de Dunga, que deu, de mãos beijadas, a uma entidade caritativa a expressiva indenização paga pelo Inter na rescisão de seu contrato: um exemplo de solidariedade humana, numa classe de gente tão alienada.
Enfim, momentos de minha convalescença que me permito dedicar ao ilustre cidadão que me operou: doutor Paulo Rodrigues: mãos videntes, mãos de amuleto.
Lembrança de um milagre
A história universal dos goleiros jamais esquecerá Gordon Banks. Campeão mundial de 66, na Inglaterra. Herói e um tanto mártir – como todo goleiro que se preza. Banks passou pelo Brasil, visitante ilustre. Mensageiro de uma causa nobre que é abrir as portas do esporte a crianças desafortunadas.
Banks conversou com Andréa Escobar, repórter e produtora do Esporte Real. Da entrevista, destaco as seguintes opiniões do memorável goleiro: 1) A seleção inglesa de 70 era melhor que a de 66, campeã mundial; 2) Logo depois da Copa de 70, ele recebeu um telegrama do Rio, convidando-o a vir jogar pelo Flamengo. Não se perdoa ter declinado da proposta. Não veio por puro medo de jogar no exterior; 3) Concorda com Pelé sobre o malefício que o excesso de dinheiro causa ao futebol como atividade social; Banks considera cruel o regime profissional que enche de dinheiro os clubes grandes e deixa a maioria, penando, no ora-veja; 4) O dinheiro, ainda segundo Banks, explica tanta violência no futebol mundial; 5) Uma exceção em matéria de brutalidade no futebol: a seleção brasileira, com a qual as seleções européias ainda têm muito que aprender.
Gordon Banks recordou a defesa magistral com a qual ele salvou um gol certo de Pelé (uma cabeçada) no Brasil 1 x Inglaterra 0, de Guadalajara-70. Diz que foi movido pelo reflexo. Ele não imaginou que alguém pudesse alcançar uma bola que chegava tão pelas alturas: ‘‘De repente, eu vi o Pelé subindo, subindo, subindo, até acertar a cabeçada fulminante’’.
Rubinho, um querubim
Rubens Barrichello passou por Interlagos, deixando o travo de um triunfo que se frustrou num capricho da máquina. Barrichello! Ah como deve ser árdua – senão patética – a sina de um jovem piloto condenado pela mídia a carregar, na mesma corrida, o duplo fardo de ser o novo Ayrton Senna e de encarnar um símbolo de velocidade, de arrojo e de vertigem que é um carro da marca Ferrari. Se mal pergunto, não estará havendo um certo exagero jornalístico? Será humano promover a super-homem um piloto que ainda tem tanta estrada pela frente?
Rubinho – o tratamento carinhoso já diz tudo – tem um jeitinho de querubim que não se casa com as asperezas da máquina. A Fórmula-1 tem um quê de satânica que não entrevejo no rosto quase angelical de Barrichello. Deus permita que eu esteja errado; e que Rubens Barrichello esteja apenas escondendo, na face cordial, os enigmas – mil enigmas – que teciam a alma insondável de Ayrton Senna.
RÁPIDAS E RASTEIRAS
- O Campo dos Afonsos recebe, amanhã, seu mais novo troféu: o avião ‘‘Ventura’’, todo restaurado pelo idealismo de criaturas como o brigadeiro (e meu querido amigo) Magalhães Motta. O ‘‘Ventura’’, que hoje ‘‘pousa’’ no Museu Aeroespacial, é a própria memória da primeira unidade aérea de combate da FAB. Calorosa lembrança do ano de 1943.
- Vi, na Tevê, o jogo de Guga com o croata Ivanisevic, no torneio de Miami. Perfeito! Ousado, sem ser abusado. Consistente sem ser inconsequente. O Guga dos nossos sonhos.
- Robert Scheidt emplaca um tetra na Laser. O moço é, mesmo, um admirável velejador. Sidney haverá de consagrá-lo uma vez mais.
- A medicina olímpica segue combatendo a sinistra nandrolona, versão sintética do hormônio masculino testosterona. A barra é das mais pesadas. Basta um exemplo: só o tal de Maximuscle, suplemento que contém nandrolona, patrocina 300 atletas; são ciclistas, pugilistas, jogadores de rugby e de futebol na Europa.
- Eis alguns danos orgânicos provocados pela nandrolona: afeta seriamente o fígado, lesa o coração; além de provocar queda de cabelo no homem e de fazer nascer barba e bigode em rosto de mulher.