BELO HORIZONTE, MG (UOL/FOLHAPRESS) - Já era madrugada de sexta-feira (24) quando o atual campeão da NBA, o Golden State Warriors, anunciou que escolheria o ala brasileiro Gui Santos, de 20 anos, como o número 55 no Draft deste ano. Gui, que fez aniversário na quarta-feira (22), recebeu de presente de aniversário a possibilidade de estar em uma das melhores franquias da liga. O caminho até a NBA, no entanto, passou por bastante dedicação e até por marcação cerrada de dois veteranos com passagem pela liga americana: Leandrinho e Alex Garcia.

O ala-armador é natural de Brasília, mas chegou ao Minas Tênis Clube com 15 anos. Filho de ex-jogadores, ele passou por um processo de formação rigoroso no clube mineiro. Desde muito cedo chamou atenção pelo talento —e ainda que discretamente, já se cogitava ali um jogador possível jogador de NBA. Quem supervisionou todo o processo na base minas-tenista foi Flávio Davis, ex-treinador que hoje coordena as categorias de base da equipe de Belo Horizonte.

Davis destacou que o Minas contribuiu com a formação de vários atletas sob essa mesma conduta e destacou dois que também chegaram à principal competição de basquete do mundo: o armador Raulzinho e o pivô Cristiano Felício. Para o professor, Gui Santos conseguiu se destacar em cada parte desse processo de formação. E isso só foi possível pelo próprio entendimento do atleta da necessidade do trabalho, para além do talento natural.

"A partir do momento que a gente vê essa força de vontade no jogador, a gente vê a determinação, acreditando no treinamento e nos processos, o Gui foi evoluindo a cada campeonato que disputou. Todo degrau foi importante na evolução dele e principalmente os treinos com a categoria adulta, que fizeram que o técnico acreditasse nesse potencial e dando tempo de quadra", destacou.

Apesar da pressão e do destaque envolvendo o jogador, o processo de formação no Minas aconteceu de forma natural. Após a lapidação nas categorias de base, quase sempre sendo o mais jovem dos torneios, por jogar em categorias acima da sua idade, Gui Santos foi chamado para integrar o elenco profissional.

SAINDO FAÍSCAS

Na temporada 2018/19, ele teve poucos minutos em quadra, mas se destacava nos treinos numa equipe que tinha Leandrinho Barbosa e Alex Garcia - dois veteranos de seleção brasileira que jogaram também NBA. O espaço na equipe adulta foi administrado por Leo Costa, atual treinador da equipe.

"O Gui era efetivo no dia a dia de treinamento. Marcava o Leandrinho, Alex... E o Leandrinho é diferenciado. O Leandrinho identificava isso no Gui, dava dica, conversava, também marcava firme... saía umas faíscas no treino, era muito legal de acompanhar os dois no dia a dia. Ele nunca aliviou pro Gui Santos até porque era a vontade de ver o Gui desabrochar, ele sabe que tinha que ser assim", explicou o treinador. Leo também ressaltou que Gui Santos sempre buscou conselhos com Leandrinho.

Desde então, há um contato entre eles. O ex-jogador hoje faz parte da comissão técnica do Golden State Warriors e acompanhou o treinamento de Gui Santos com a franquia, que acabou selecionando o brasiliense.

Depois da primeira temporada, Gui Santos foi conquistando o próprio espaço entre os profissionais, apesar da pouca idade. Na última temporada, foi eleito o sexto homem do ano do NBB, tendo também ajudado sua equipe na conquista do torneio Super 8, em 2021. Além disso, o jovem também acumula convocações para a seleção.

"Ele foi conquistando o espaço em uma busca constante de evolução. Ele se dedicou para melhorar defensivamente, se tornou um dos melhores no perímetro. Todos os pontos que a gente ia levantando, ele sempre ia de cabeça, dedicado para evoluir", disse. "Nessa última temporada ele teve um protagonismo grande, conseguiu evoluir ainda mais, tendo bolas decisivas de jogo que foram feitas para ele jogar, contribuindo bastante nos playoffs, algo que chama atenção num garoto de 19 anos", completou. Na atual temporada, Gui Santos teve médias por jogo de 10,5 pontos, 5 rebotes, 2,2 assistências em 25,8 minutos.

DESTAQUE DA GERAÇÃO

Leo Costa disse que, desde o primeiro contato com Gui Santos, que aconteceu quando ainda nem trabalhava no Minas, via um talento diferente no jogador. Ele era orientador técnico na Liga de Desenvolvimento de Basquete no Brasil e classificou Gui como principal jogador da sua geração. Não que isso fosse o bastante.

"Muita gente fala que quer jogar na NBA, mas não coloca o esforço necessário para isso. Não é o caso do Gui, que conseguiu chegar lá por fruto de tudo que construiu na carreira", disse.

Um exemplo dessa dedicação é o contexto que se deu o processo de observação pelas franquias da NBA, dificultada pela Covid-19. Sem poder viajar, os principais observadores da NBA tiveram atuação limitada fora do próprio país. Gui impressionou, mesmo que de longe, os recrutadores da liga. Além disso, ao final da temporada no Brasil, o jogador foi até os Estados Unidos e treinou com dez equipes. Em algumas oportunidades, fazendo mais de um treino por dia em cidades diferentes nos EUA.

Gui Santos sempre foi elogiado pelo nível de entrega, sendo o primeiro a chegar e o último a sair em quase todos os dias nas quadras do Minas Tênis Clube. A dedicação e o talento chamaram a atenção também das franquias na NBA.

'FACILITADOR DE AMBIENTE'

O talento acima da média e os bons resultados na quadra não mudaram a forma de Gui Santos lidar com seus colegas de time e treinadores. Flávio Davis disse que a postura de Gui Santos, ao longo de todo processo, é um exemplo para jogadores que um dia desejam estar na NBA

"A lição que ele mostrou para gente em todos esses anos foi essa, com muita humildade, força e determinação", avaliou. "Ele é um menino excepcional. Muito determinado, sabe o que quer, sempre quis isso que conseguiu e sempre foi determinado em querer mais, fazer mais a cada", completou.

Leo Costa, que acompanhou o dia a dia do jogador por três temporadas, reforçou o discurso. Além disso, ele destacou que o jogador melhorava o ambiente dos treinos, sem deixar que a cobrança atrapalhasse. Por isso, o clima no departamento de Basquete do Minas era de bastante satisfação com o resultado alcançado pelo prodígio.

"Todo mundo gostava de estar em volta dele, é um garoto muito tranquilo de uma energia muito boa. É um facilitador de ambiente. Está sempre puxando uma energia para cima, nível de dedicação alto. Eu falava com ele: 'vou te cobrar porque para onde você quer ir, o buraco é mais embaixo', e ele sempre correspondeu as cobranças com atitude e trabalho", disse.

Gui Santos está na Califórnia e agora espera para ver como será o seu futuro. Há quatro possibilidades na mesa: utilização na equipe principal do Golden State Warriors, jogar na liga de desenvolvimento da NBA na filial dos Warriors, deixá-lo no NBB e seguir monitorando seus passos ou buscar uma liga no exterior, de nível mais alto, para iniciar o processo de lapidação visando a NBA.