BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - O acordo entre Ronaldo e Cruzeiro em torno da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) ganhou contornos de embate ao longo da semana. O Fenômeno sinalizou com novas exigências mediante o que afirmou serem dívidas que antes não competiriam à SAF, e até ameaçou largar o negócio com o time de Minas Gerais. O Conselho Deliberativo marcou reunião para debater essas exigências.

"A gente tem que acelerar isso, porque, se eu não tenho essas garantias, é muito difícil continuar no processo e evoluir no projeto, porque, até para a gente ter novos investidores, patrocínios, o mercado está esperando essa definição", afirmou o ex-jogador e empresário em sua live na terça-feira (15).

Do outro lado, uma carta que seria apenas para Ronaldo, elaborada pela Mesa Diretora do Conselho Deliberativo do clube, acabou vazada, o que colocou mais lenha na fogueira.

De acordo com Nagib Simões, membro da Mesa e um dos signatários da carta, o que a associação do Cruzeiro quer é apenas rever detalhes do acordo com Ronaldo após as novas exigências.

O Fenômeno quer que a Toca da Raposa I e a Toca da Raposa II (centros de treinamentos das categorias de base e da profissional, respectivamente) sejam vinculadas à SAF. E exige a aprovação imediata do pedido de recuperação extrajudicial ou judicial do clube para que antigas dívidas sejam renegociadas.

"Não queremos abortar nada com Ronaldo. Queremos que ele fique, o nome dele vale mais do que dinheiro, mas temos que alinhar algumas coisas", afirmou o dirigente. "A Toca II, por exemplo, não tem nada a ver com dívida fiscal, só a [Toca] I está alienada. A Toca II ficar com ele (com a SAF) acho legal, mas precisa haver alinhamento, só isso, e assim o negócio vai ser aprovado em um piscar de olhos."

Simões se refere a uma dívida tributária do clube com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). No acordo, a Toca da Raposa I foi colocada como garantia.

Questionado se esse alinhamento com o Fenômeno passa por um aumento no percentual a que a associação teria direito —hoje são 10% contra 90% do investidor—, Simões desconversou.

No entanto, Régis Campos, outro que aparece como signatário do documento como membro da Comissão de Apoio para Constituição da Sociedade Anônima do Futebol, afirmou que essa é a intenção.

"A ideia era mostrar para o pessoal do Ronaldo, discutir com eles. No fundo, eles [Mesa Diretora] queriam um percentual maior do que os 10%", disse Campos. "Eles não estão contra o Ronaldo, estão de pleno acordo e sabem que é benéfico para o clube. Mas querem garantir mais um percentual para quando o clube se valorizar, estiver de volta à Série A, para poder vender essa parte e reinvestir na SAF para a contratação de jogadores."

Mesmo descrevendo em detalhes o plano, Campos disse que seu nome não deveria ter sido vinculado à carta. Ele não faz, atualmente, parte do quadro de sócios do Cruzeiro.

"O nome que deveria entrar era o de um membro do conselho fiscal. Não participei de reunião, negociação, não tenho nada com isso. Faço parte da comissão que acompanha a venda da SAF. Tem mais de 20 anos que não tenho vida ativa no clube. O Serginho [Sérgio Santos Rodrigues, presidente] foi eleito e o ajudei, apresentei o clube para a XP [mediadora do acerto entre Ronaldo e Cruzeiro], ajudei na aprovação dessa SAF, mas não participei da carta", completou.

Já Nagib Simões, que é membro da Mesa Diretora, demonstrou surpresa e descontentamento com o trabalho realizado pela XP. Segundo ele, em dezembro a empresa afirmou que havia 17 interessados em negociar com o Cruzeiro, mas menos de 12 horas depois da aprovação da SAF apresentou Ronaldo como dono.

"Queríamos que a associação fosse majoritária, mas sabíamos que encontraríamos dificuldades em manter o percentual de 51% [clube] a 49% [investidor]", disse Simões. "Aí tivemos que dar muita explicação, convencimento, num processo longo, e conseguimos aprovar o que era o melhor, a SAF ser até 90% de um investidor. Mas ficamos boquiabertos. Aprovamos numa sexta à noite e no sábado pela manhã soubemos pela imprensa que o Ronaldo era o dono."

Simões afirma que os conselheiros nem sequer tomaram conhecimento do que poderiam ser as outras 16 propostas. Diz que a XP assegurou que Ronaldo investiria R$ 400 milhões e ainda assumiria as dívidas do clube, realidade que se mostrou diferente ao longo da semana com a divulgação de documentos até então confidenciais.

"Seriam R$ 400 milhões de investimento, mais a dívida. Foi passado isso para todos, mas não é bem assim. Cadê as outras propostas? Nunca foi mostrada nenhuma a não ser a do Ronaldo. O nome Ronaldo é fantástico, mas ficamos sabendo de tudo depois", reclamou o conselheiro.

Procurada pela reportagem, a XP disse que "busca sempre a melhor negociação possível para seu cliente". Em nota, "reitera que o valor a ser investido será de R$ 400 milhões" e afirma que, no texto da Mesa Diretora, "há imprecisões técnicas e interpretações errôneas do formato dos aportes".

"Como assessora financeira do Cruzeiro Esporte Clube, fizemos apresentações para aproximadamente cem potenciais investidores de diversos países ao longo de três meses, e foram enviadas apenas duas propostas, o que demonstra os graves problemas financeiros do clube", afirma a XP.

Os problemas entre Ronaldo e conselho cresceram na última segunda-feira (14), após uma reunião de mais de duas horas. O ex-jogador exigiu que os dois centros de treinamento ficassem sob a responsabilidade da SAF, além da aprovação do pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

O presidente do clube, Sérgio Santos Rodrigues, divulgou duas notas em apoio ao craque. O argumento de Ronaldo foi o de que não estava anteriormente previsto que cerca de R$ 200 milhões em dívidas tributárias recaíssem sobre a SAF.

"Essa nossa proposta é para assumir essa dívida, com essa pequena garantia, que são as duas Tocas para a SAF, de modo que a gente garante que não teríamos esse risco de penhora, de perder as duas Tocas, que são nossos locais de trabalho", disse o jogador, na live.

Ainda segundo Ronaldo, a ideia seria se responsabilizar por uma renegociação da dívida tributária. "Honra o pagamento, garante a propriedade da Toca I, e, no final do pagamento, as Tocas passariam para a SAF. Com isso, posso garantir que o Cruzeiro não perde as Tocas e jamais vai ficar sem treinar. É a única maneira que temos de desenvolver com segurança esse grande ativo do nosso Cruzeiro."

Como resposta, os dirigentes quebraram a cláusula de confidencialidade do acordo firmado em dezembro. Expuseram que, em vez de R$ 400 milhões, Ronaldo teria que investir apenas R$ 50 milhões, sendo os demais R$ 350 milhões a título de "incremento de receitas".

Conforme o contrato, esse incremento vem da "receita média anual, apurada com base na média ponderada das receitas auferidas pelo Cruzeiro no período compreendido entre 2017 e 2021". Ou seja, Ronaldo terá que tirar dinheiro do próprio bolso só se a média estiver abaixo desse valor.

O Conselho Deliberativo do clube celeste marcou para o próximo dia 4 uma reunião extraordinária para discutir as exigências de Ronaldo. Já o ex-jogador, na noite de sexta (18), deu a entender que sua oferta é final.

"Depois de três meses de auditoria, a gente chegou a esse consenso. Chegamos a um plano final, a estratégia final, e eu acho que o melhor trabalho foi feito por especialistas", afirmou. "Então, acho que agora a bola está com o Conselho do Cruzeiro."