SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Monike Fernandes Abreu, a Mona, já entrou em quadra se sentindo mal. Pelas suas palavras, "estava pronta para ir embora". Sentia-se amedrontada, desesperada, cansada de tudo, com tendências suicidas. Sentou-se ao lado do banco de reservas em meio a uma crise de pânico. Só ouviu o grito da treinadora.

"Está com medo do quê?"

Foi a chave. Ela já estava ali havia mais de um ano e não deveria mais ter medo. Pelo menos ali, entre os amigos e companheiros dos Bharbixas, time de handebol em Belo Horizonte, não havia motivo para aquilo.

Jads Antunes procurou por muito tempo uma equipe para jogar handebol em São Paulo. Um lugar que aceitasse seu jeito de ser, sua orientação sexual. Ele foi um dos fundadores das Fadas, que sediaram, no último final de semana, a Queer Cup, torneio voltado para coletivos da comunidade LGBTQIA+.

"As Fadas salvaram a minha vida. Quando entrei em um buraco mental e psicológico, fui acolhido, estiveram do meu lado independentemente de qualquer decisão que eu tomasse. Foi o momento em que eu tive um click, um estalo, de perceber que sou amado e não preciso da aprovação de ninguém. Foi quando consegui entender que não precisava ter vergonha de mim", afirma Antunes.

No torneio de cinco equipes, as Fadas foram campeãs ao derrotar os Bharbixas na final por 28 a 25, em uma competição chancelada pela Confederação Brasileira de Handebol.

Isso não foi o mais importante. Nos dias seguintes ao evento, os organizadores da Queer Cup receberam várias mensagens de atletas de outros times que estiveram no torneio. Agradeciam a acolhida, o clima de confraternização e repetiram uma expressão comum a quem participa de coletivos como as Fadas: sentiram-se abraçados.

"É uma questão de aceitação para quem procurou isso a vida inteira", lembra Bruno Costa, que sempre jogou handebol em São José dos Campos (90 km de São Paulo), onde reside, e em cidades vizinhas.

Depois de ter sido entrevistado sobre sua participação nas Fadas em dezembro do ano passado, para uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, ele começou a receber ameaças anônimas por telefone.

"Algumas pessoas me parabenizaram. Mas teve uma chamada de número desconhecido. Atendi. Era uma pessoa dizendo que a matéria era escrota, que eu tinha cuspido no prato que comi e que tinha de ficar esperto com o que andava dizendo por aí. Recebi depois outras chamadas de números não identificados, mas não atendi", explica.

Bruno havia desistido do esporte após uma lesão no ombro direito. Reencontrou-se com o handebol graças às Fadas. Ele agora tem convite para atuar por equipe profissional de Jacareí, em parceria com o Taubaté, para a disputa do Campeonato Paulista.

Times de diferentes esportes direcionados à comunidade LGBTQIA+ estão em ascensão. Há experiências também em futebol, vôlei, rúgbi e dança. A Queer Cup é o projeto mais bem-sucedido porque existe desde 2018. É o mesmo ano em que o advogado Rogério Dervanosk se mudou para Porto Alegre para São Paulo e começou a postar "flyers" em redes sociais à procura de pessoas para montar uma equipe de handebol. O primeiro a atender ao chamado foi Jads Antunes. Nasciam as Fadas.

Os treinos ocorrem uma vez por semana em quadras alugadas na região da Vila Mariana, zona sul de São Paulo.

É história parecida com a de outros coletivos da modalidade que se tornaram referência, como o Pampa Cats, do Rio Grande do Sul, e o Bharbixas.

"A intenção é sempre agregar. Agregar um grupo de pessoas que vive constantemente a desaprovação, a exclusão, a separação. Mesmo que você cresça com amigos de longa data, é difícil compartilhar tudo se não tem a mesma vivência, se não passou pelas mesmas coisas. A ligação no esporte se torna uma ligação de vida", diz Mona. "Os Bharbixas apareceram para mim em um momento em que eu estava muito mal. Era o que me tirava de casa."

Vale até mesmo para quem é profissional do esporte, mas que encontrou no coletivo um lugar diferente daquele ao qual estava acostumado, um ambiente mais acolhedor. E isso a ajudou a seguir adiante quando isso parecia algo improvável.

Camila Ricardo jogava em Guarulhos em 2017 e sofreu lesão de ligamento no joelho. Desiludiu-se com o handebol e no ano seguinte pensou em desistir. Foi convidada para treinar por um mês com as Fadas apenas para passar o tempo. Não parou mais e ainda é a técnica, mesmo sendo atleta da SER Unimed Sorocaba no estadual e na próxima liga nacional.

"Na primeira semana eu já estava completamente apaixonada. É uma das minhas maiores alegrias estar com eles todas as quartas-feiras [quando acontecem os treinos]. Eles reavivaram meu amor pelo handebol", confessa.

O plano agora, segundo Antunes, é ampliar. Espalhar a palavra, aumentar a divulgação para que apareçam mais times e outros torneios possam ocorrer.

"É um movimento social. Mais que esporte. Pessoas que se encontram para construir algo maior", analisa Mona.

Pode ser também um ensinamento para quem chega de fora.

"É uma lição de união, de aceitação independentemente de sua história e de onde você vem. Aprendi muito com eles. Tenho isso muito forte em mim por causa da forma como fui recebida. Isso aprendi com eles e quero levar para a vida, não importa o que acontecer comigo", finaliza Camila, a técnica.