TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Com as unhas pintadas de vermelho, verde e azul (as cores da bandeira da Namíbia), Christine Mboma, 18, quer correr para longe das perguntas sobre os 400 m no atletismo olímpico.

Sua compatriota Beatrice Masilingi, 18, é menos discreta.

"É cruel que não permitam quem nós corramos os 400 m. É uma decisão inexplicável", se queixou nesta terça-feira (3), no Estádio Olímpico de Tóquio.

A "decisão" foi tomada em 7 de julho deste ano, a duas semanas do início dos Jogos. A Federação Internacional de Atletismo decidiu que a dupla não poderia disputar os 400 m no Japão, onde elas seriam favoritas. Elas têm quatro dos cinco melhores tempos da prova em 2021.

Teste realizado na dupla apontou nível de testosterona muito alto para mulheres que querem disputar provas de 400 m a 1500 m. O hormônio masculino estava elevado nelas naturalmente. Não era por causa de remédios.

Em duas semanas, as corredoras da Namíbia tiveram de se adaptar a uma nova corrida. Mboma jamais havia sequer treinado para os 200 m. Teve de aprender toda a técnica.

Na terça-feira (3) pela manhã, horário de Brasília, elas estarão presentes na final dos 200 m do atletismo. Na semifinal, Mboma quebrou o recorde mundial sub-20.

"Agora o que importa é estar nas minhas primeiras Olimpíadas. O restante não faz diferença", afirmou.

As duas africanas terminaram na segunda posição de suas baterias das semifinais, garantindo vaga na prova da medalha.

Mboma diz que não importa, mas a decisão da Federação Internacional iniciou uma discussão sobre o que é um nível aceitável de hormônio quando é natural. A recomendação de que as atletas tomassem remédios para baixar a testosterona antes da competição não pegou bem.

Basicamente, os dirigentes do atletismo afirmam que, se elas querem competir nos 400 m, precisam se drogar para evitar um processo natural do organismo.

"Colocaram dúvidas se eu sou realmente mulher. É algo que não vou esquecer", se queixa Masilingi.

A sul-africana Caster Semeneya teve o mesmo parecer em 2018 e foi suspensa. Prata nos 800 m em Londres-2012 e ouro na Rio-2016, ela chegou a ter de se submeter a um teste para comprovar o gênero, algo que gerou protestos nas autoridades da África do Sul. Acusaram a organização que controla o atletismo de racismo.

As regras dos níveis de testosterona foram feitas pela Federação em 2018 por causa de Semeneya e das desconfianças que existiam por causa da sua repentina e significativa melhora dos tempos. A corredora levou o caso à Corte de Arbitragem do Esporte e perdeu. Para a entidade que controla o atletismo, se trata de dar maior justiça à modalidade.

Beatrice Masilingi e Chistine Mboma jamais haviam passado por teste semelhante até hoje.

"Era coisa de rotina, nos falaram. Eu descobri o que tinha acontecido pelas redes sociais. Ninguém da federação me ligou", se queixa Masilingi.

Elas não tinham tempo para mágoa e precisavam tomar uma decisão. Mboma imediatamente mudou toda a configuração do seu treino para os 200 m. Masilingi foi junto.

"Não foi difícil mudar [de prova]. Eu gosto de treinar e mudei o treinamento assim que soube. Mas foi duro", reconheceu Mboma.

Foram duas semanas em que uma empurrou a outra para melhorar uma corrida que não era a especialidades delas. Nenhuma das duas queria perder a chance de disputar os primeiros Jogos de suas carreiras. Mesmo que tivessem que se adaptar a uma nova prova às pressas.

"Não quero pensar muito nisso por enquanto. Estou focada nas Olimpíadas", disse Mboma.

Mais irritadiça, Masilingi reconhece não ter como mudar uma decisão que considera injusta. Tem certeza que, nos 400 m, as chances de as duas chegarem ao pódio seria enorme. Agora isso mudou, apesar de ambas terem chegado à final.