TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Harriet Bonface, 28, não estava com a expressão abatida e nem falava com tristeza. Ainda vestida com seu quimono azul que não tinha a sigla de Malawi às costas, ela demorou mais do que o esperado para passar pela zona mista, a área de entrevistas após as lutas onde ficam os jornalistas.

A africana carrega a imagem de que o ato de chegar às Olimpíadas é uma vitória por si só. Ela fez a primeira luta do dia inaugural do judô. Perdeu para a brasileira Gabriela Chibana. Seu ciclo olímpico de cinco anos de treinamentos acabou em 14 segundos.

Foi o tempo em que levou um ippon, o golpe decisivo da modalidade.

"Eu estava preparada e concentrada, mas ela [Gabriela] me surpreendeu. São coisas que acontecem, nem sei o que dizer. Você se prepara tanto, atravessa o mundo para chegar aqui e lutar por apenas alguns segundos. Mas eu estou orgulhosa de ter chegado até este momento para representar o meu país", disse ela antes de ir embora do Nippon Budokan.

Como a política do COI (Comitê Olímpico Internacional) e do governo japonês é despachar os atletas para seus países de origem assim que acabarem suas participações olímpicas, Harriet deve embarcar já neste domingo (25) ou segunda-feira (26) de volta para casa.

Esportes de combate, que são eliminatórios, oferecem um dos aspectos mais cruéis dos Jogos. Uma longa preparação pode ir para o lixo em um piscar de olhos.

"Se você está em um esporte como o judô, sabe que algo assim pode acontecer. Prepara-se para que não ocorra, mas pode enfrentar um adversário mais forte e perder. As Olimpíadas são diferentes. Poder dizer que é um atleta olímpico é um orgulho por si só", diz o guatemalteco José Ramos, derrotado na estreia pelo ucraniano Artem Leziuk após 2 minutos e 28 segundos, tempo suficiente para sofrer dois waza-ari.

Ou como definiu o brasileiro Eric Takabatake, eliminado na segunda rodada pelo coreano Won Jin Kim, as Olimpíadas podem ser encaradas como um sonho, um parque de diversões para os atletas. Essa expressão é válida especialmente para Harriet, que enfrentou resistência para praticar judô em um país no qual esportes de luta são quase sempre masculinos.

"O que vou levar foi toda a experiência. Não é apenas a luta. Os dias que passei na Vila Olímpica, o clima do evento... Isso tudo não vou esquecer. Queria ter lutado mais tempo, mas não foi possível", completa a judoca.

Ela se classificou para os Jogos apesar de ter perdido as qualificatórias e ter competido pouco nos últimos dois anos. A atleta não conseguiu viajar por causa de problemas de visto e pela pandemia. Classificou-se para ir ao Japão por causa da quota reservada pelo COI para incentivar países a desenvolverem seus esportes.

Com cinco irmãos, foi criada pelos avós, pois seus pais não teriam como alimentar todos os filhos. Antes de embarcar, Harriet deu entrevistas à imprensa de Malawi afirmando que seria a primeira atleta do judô africano a conquistar uma medalha de ouro. Uma promessa difícil de ser cumprida. E não foi.

"Quero voltar. Posso tentar de novo", sugeriu, antes de ir embora.

Ela pode usar o exemplo da israelense Shira Rishony, 30. Sua estreia olímpica aconteceu na Rio-2016 e durou poucos segundos. Foi desqualificada por ter usado o cotovelo de forma ilegal na ucraniana Maryna Cherniak e deixou o tatame chorando copiosamente. Disse não ter entendido a eliminação e que aquela tinha sido uma experiência traumática.

Classificada para Tóquio-2020, ela venceu seus dois primeiros combates, antes de perder para Urantsetseg Munkhbat, da Mongólia. O resultado aconteceu nas quartas de final e isso lhe dá a chance de disputar, na manhã deste sábado (24), a medalha de bronze.

"Você coloca sua vida para chegar até aqui. Dói. Caramba, como dói", disse Gabriela Chibana, a brasileira que derrotou Harriet, às lágrimas, após perder o segundo combate e ser eliminada.

Participações curtas são fatos da vida nas Olimpíadas, o que não elimina o aspecto humano de treinar por quatro anos (cinco, no caso de Tóquio) por causa de um sonho.

"Em um combate, se você não derrota o seu oponente quando tem chance, vai se arrepender. Foi o que aconteceu", resumiu a italiana Francesca Milani para a imprensa do seu país. Ela caiu na primeira luta diante de Chen-Hao Lin, de Taipei, após 3 minutos e 44 segundos.