TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Ao lado do tatame ainda por ser finalizado, a voluntária acompanha o cronômetro ir de maneira regressiva do 30 ao zero. Em seguida, aperta um botão e a contagem recomeça. Ao redor dela, funcionários da Olimpíada de Tóquio fixam placas, sinalizações e simulam um sistema de iluminação de diferentes cores.

Entre os 41 locais de competições da Olimpíada, nenhum outro representa tanto para o seu esporte quanto o Nippon Budokan, a casa espiritual do judô. Nos Jogos de Tóquio, também será sede do caratê.

"Competir no Budokan é muito especial. É como se o judô estivesse voltando para casa", afirma Eduardo Katsushiro, brasileiro que vai lutar na categoria 73 kg.

Em diferentes corredores do Budokan (que significa "hall das artes marciais"), há referências a momentos históricos do ginásio que tem capacidade para cerca de 15 mil pessoas. Estão expostas também em placas de madeira a filosofia do "budô", palavra que engloba diferentes artes marciais. A expressão tem origem no "bushidô", o caminho do guerreiro.

Construído para a primeira vez que Tóquio sediou a Olimpíada, em 1964, o complexo esportivo fica a poucos metros da entrada leste do jardim do Palácio Imperial, parte do que era antigamente o castelo Edo, residência do imperador Meiji até a mudança dele para um novo castelo, no final do século 19.

A área verde está em volta do Budokan, construção encravada no parque Kitonomaru, no distrito de Chiyoda, o menos populoso da capital japonesa. São cerca de de 55 mil pessoas. Em Tóquio, moram 14 milhões.

Na Olimpíada deste ano, o judô será disputado de 24 a 31 de julho. O caratê acontecerá entre os dias 5 e 7. Os visitantes que chegavam ao local para conhecer o Budokan na semana passada não eram incomodados. Nem mesmo pelos fiscais com roupa dos Jogos de 2021, quase todos com idade suficiente para terem desempenhado a mesma função em 1964.

"Este é outro atrativo da modalidade agora. Além de você buscar a medalha mais importante de todas, que é a olímpica, o atleta estará disputando no Budokan, que é o templo do esporte", define Rogério Sampaio, diretor geral do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e ganhador do ouro nos Jogos de Barcelona, em 1992.

E da mesma forma que motiva, não poder ganhar a medalha ou lutar por ela no ginásio representa um golpe considerável na vida de um atleta de ponta das artes marciais. Nenhum brasileiro conseguiu classificação no caratê, modalidade que entrou pela primeira vez no programa olímpico agora e não estará em Paris, daqui a três anos.

"Eu me imaginei várias vezes lá, me peguei pensando cena a cena, competindo, recebendo a medalha. E a minha primeira medalha em Mundial aconteceu onde será a competição do caratê, no Budokan", lembra o carateca Douglas Brose.

Um dos atrativos do ginásio é sua estrutura que, no exterior, tem jeito de templo japonês, com colunas, ênfase no horizontal e linhas simétricas. Dentro, as portas escuras e com maçanetas grandes, que necessitam de força para serem abertas, simulam um teatro. As cadeiras na fileira mais alta estão a 42 metros de altura.

Poder receber quase 15 mil pessoas, a capacidade de oferecer uma vista limpa do que acontece no tatame qualquer que seja a posição do assento e a fama fez com que o Budokan se tornasse atrativo também como local de shows musicais. Algo que nem sempre foi bem visto pelos mais tradicionalistas.

Entre 29 de junho e 2 de julho de 1966, os Beatles fizeram quatro apresentações no local que entraram para a história. A atração foi alvo de protestos de grupos de japoneses. Eles consideraram que a execução de canções de rock no Budokan beirava a blasfêmia. Muitas bandas, cantores e cantoras de renome internacional fizeram concertos na arena depois disso.

A última apresentação do grupo sueco ABBA aconteceu no templo do judô, em 17 de março de 1980.

Todos os anos, os campeonatos nacionais das nove artes marciais que formam o budô são realizadas no Budokan. Eventos que no passado já tiveram a presença do imperador do Japão. É espaço usado de tempos em tempos pelo wrestling de entretenimento, que no Brasil ficou conhecido como telecatch.

O Budokan também pode ser considerado um precursor do MMA por ter sido a sede da luta de exibição entre o boxeador americano Muhammad Ali e o lutador de wrestling Antonio Inoki, que terminou empatada.

Ali, um dos esportistas mais famosos de todos os tempos, reclamou muito depois do combate da estratégia de Inoki, que ficava caído no chão e tentava chutá-lo. Pelo menos o esportista da casa não perdeu, e era justamente essa a ideia (de não perder) que ocupava a cabeça dos idealizadores do Budokan ao construí-lo para a Olimpíada de 1964.

Quase deu certo. Das quarto medalhas de ouro em disputa naquela edição dos Jogos, o Japão ganhou três. Na categoria aberta, que não existe mais, o holandês Anton Geesink subiu ao lugar mais alto do pódio.