SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - O sambista Neguinho da Beija-Flor, 72, conta que ainda lamentava do sofá de casa, no último domingo (3), o empate do Flamengo com o Fluminense, que resultou na perda do Campeonato Carioca à equipe dirigida por Paulo Sousa, quando foi surpreendido ao mudar de canal e ouvir o técnico Abel Ferreira, do Palmeiras, elogiando o canto que havia embalado a conquista do 24º título paulista.

"Falei com a minha esposa: 'ué, mas o Palmeiras também canta o time da virada? Pensei que fosse só o Vasco'", disse Neguinho à reportagem.

A fala de Abel de que palmeirenses redescobriram um antigo coro das arquibancadas abriu discussões sobre a autoria do grito "time da virada, time do amor" nas redes sociais. Vascaínos pediram por reconhecimento, enquanto outros divergiam sobre a sua real data de sua criação.

"Eu não sabia que existia essa canção: ‘O time da virada, o time do amor’. Agradeço a todas as pessoas que trabalharam para criar uma música, mas ela já existia na história do nosso clube. Agarrem-na, é isso que precisamos", declarou o treinador minutos após o jogo.

"Ela estava esquecida, talvez em 1942, quando ganhamos de 3 a 0 [3 a 1 sobre o São Paulo, em 20 de setembro daquele ano]", afirmou o treinador, em alusão ao episódio conhecido como Arrancada Heroica. Na ocasião, o então Palestra Itália empatava por 1 a 1 quando marcou mais dois gols e conquistou o estadual. Não há, contudo, registro histórico sobre o coro.

"Em 1942 não havia cânticos tão elaborados ou ritmados como os de hoje. O máximo que existia na época eram charangas e bandas de marchinhas. Eles [torcedores do Vasco] devem ser os autores, mas frequento as arquibancadas desde 1980 e já ouvi ser entoada por quase todas as torcidas. É um brado geral", explica Fernando Galuppo, historiador do Palmeiras.

A origem exata do canto é um mistério. O samba-enredo "A criação do mundo na tradição nagô", de 1978, composto pelo próprio Neguinho, é apontado como a grande inspiração.

A canção deu à Beija-Flor o terceiro título do Carnaval no Rio de Janeiro e é considerado por especialistas um dos sambas mais icônicos da história da escola. "É algo inexplicável porque eu não ia nem concorrer. Fiz tudo em uma madrugada de sábado para domingo", lembra Neguinho.

O trecho final "iererê, ierê, ierê, ô ô ô ô. Travam um duelo de amor. E surge a vida com seu esplendor" foi que o que teria inspirado torcedores a criar o coro "time da virada, time do amor".

"Os sambas-enredo reverberavam muito entre torcidas, eram referência para a criação de cantos. Os LPs das escolas de samba concorriam com os do Roberto Carlos. É difícil cravar qual torcida fez, mas sempre escutei relacionado às viradas do Vasco", conta o escritor, professor e historiador Luiz Antônio Simas.

Em entrevista ao site Globoesporte, em 2015, integrantes da Torcida Organizada do Vasco asseguraram que a criação é de um antigo membro, morador de Nova Iguaçu, que curiosamente nunca mais foi visto nas arquibancadas.

Segundo esta versão, o canto foi entoado pela primeira vez em 29 de maio de 1988, em uma virada por 2 a 1 do Vasco sobre o Fluminense. O time perdia até os 35 minutos do segundo tempo.

"Eu acredito bastante na versão de que vem deles mesmo, faz todo o sentido, mas sou da Mancha desde 1988 e sempre escutei o coro nas arquibancadas do Palmeiras. Tem músicas que viram cantos populares e que, se for puxar o fio, ninguém sabe exatamente de onde surgiu", explica Reginaldo Pereira, diretor de alegoria da Mancha Verde e antigo vice-presidente da principal organizada do Palmeiras.

"Todos cantam ‘é o campeão, dos campeões’ e depois descobrimos que tinha como base um samba-enredo da Torcida Jovem do Santos, o nosso rival, lá nos anos 1970. Isso acontece", completa.

Há, ainda, outra versão sobre quando o coro foi entoado pela primeira. Uma delas dá conta que a adaptação do samba ocorreu em 1979, em uma virada do Vasco sobre o Flamengo por 4 a 2 pelo estadual.

DE TODOS

'É time da virada, é o time do amor' também é cantado por outras torcidas, como a do Santos, rival direto do Palmeiras.

E ele já foi usado, inclusive, contra a atual equipe de Abel Ferreira. Em 2000, o coro serviu para motivar o Vasco contra o Palmeiras, na final da extinta Copa Mercosul.

A equipe carioca perdia por 3 a 0 no intervalo, mas, embalada pelo coro da torcida, virou para 4 a 3. "Lembro bem que ouvimos isso no intervalo e demos risada, mas futebol é assim mesmo", conta Pereira.

Mais recentemente, em 2017, ficou marcado na memória de palmeirenses uma reação similar após sair perdendo por 3 a 0 para o Cruzeiro, em confronto pelas quartas de final da Copa do Brasil. O time empatou o jogo com apenas 20 minutos no segundo tempo, mas não conseguiu virar.

Apesar da discussão pela autoria nas redes sociais, palmeirenses e vascaínos mantém bom relacionamento entre suas torcidas organizadas.

Não há nenhum encontro previsto entre as equipes para esta temporada. A única chance, pela Copa do Brasil, foi dissipada pela eliminação precoce do Vasco para o Juazeirense-BA na segunda fase da competição.

O sucesso de 1978 não foi o único de Neguinho a embalar arquibancadas. A música "O campeão", que inicia dizendo "domingo, eu vou pro Maracanã, vou torcer pro time que sou fã..." adotada e adaptada por outras equipes do país.

Outro samba-enredo, o "Peguei um Ita no norte", do Salgueiro, de 1993, também foi difundido com base no trecho "explode coração na maior felicidade". Caminho semelhante ao do "Festa profana", da União da Ilha do Governador, que virou coro do Flamengo na década de 1990.