SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Em março, quando Vinicius dos Santos divulgou que havia surfado uma onda de 29,68 metros em Nazaré, Portugal, logo começaram os rumores de um novo recorde mundial. A maior marca reconhecida pela WSL (World Surf League ou Liga Mundial de Surfe) e pelo Guinness Records é a de Rodrigo Koxa, de 2017, por ter surfado uma onda de 24,38 metros. Mas, nas rodas de conversa de big riders e especialistas, é dito que a marca de Koxa já foi ultrapassada há tempos.

Isso porque há dois mundos paralelos quando se trata de medições de ondas gigantes. De um lado, há os cientistas independentes, que são convocados pelos surfistas a medir suas ondas gigantes surfadas. De outro, há o universo opaco dos recordes oficiais, que resultam de concursos da WSL e são reconhecidos, em seguida, pelo Guinness. Para ganhar o título de surfista da maior onda do mundo, é preciso que o atleta envie sua imagem na onda gigante para a premiação anual da WSL.

Enquanto os cientistas usam uma metodologia de análise fotográfica que já foi testada e comprovada no ambiente acadêmico, as entidades oficiais do esporte são pouco transparentes sobre seu método de medição e reconhecimento de marcas mundiais. Nesse cenário, os big riders têm feito divulgações independentes de suas conquistas à imprensa, o que acaba por gerar uma pressão indireta sobre o tema na liga mundial.

Os mais importantes big riders do mundo –como Maya Gabeira, Carlos Burle, Pedro Scooby, Vini dos Santos e Lucas Chumbo– optam pelas medições científicas independentes de Douglas Nemes, oceanógrafo especialista em descobrir o tamanho das gigantes. O cientista é doutor em engenharia oceânica e pós-doutor em engenharia costeira pela UFRJ.

"Todo surfista de onda gigante é um caçador de ciclones", define Nemes, ao mostrar um site chamado Windy, muito usado pelos atletas da modalidade extrema. Nessa plataforma, é possível ver a formação de ciclones pelos oceanos e saber a altura das ondas que eles formam nos mares. É possível ver, também, uma progressão de tempo que mostra essas ondas formadas no meio do mar chegando às regiões costeiras.

Esse monitoramento faz parte da rotina dos oceanógrafos e big riders. Para os que vivem em Nazaré, lugar ícone das ondas gigantes, a região de ciclones mais observada é a que fica entre Groenlândia e Islândia. Os ciclones que nascem ali, no norte do globo, são responsáveis pelas ondas gigantes portuguesas, além da geografia do fundo do mar de Nazaré.

No site, observam-se ciclones de 80 km/h, gerando ondas de oito metros no meio do Oceano Atlântico. "Os três parâmetros principais de um ciclone são: a velocidade do vento, o tempo de duração e a superfície em que passa. São os ciclones que geram as ondas cada vez maiores", explica o cientista.

Além do fenômeno dos ventos, o fundo do mar de Nazaré ajuda a formar as gigantes. "A plataforma continental de Nazaré é muito colada à praia, ou seja, o fundo oceânico é muito próximo da praia. Então, a onda não perde energia do oceano até sua quebra. Ondas que se formam no oceano, com oito a dez metros, podem duplicar de tamanho quando chegam a Nazaré", diz Nemes.

O QUE É UMA ONDA GIGANTE?

De acordo com o especialista, não há uma definição exata, na ciência ou no surfe, para conceituar o que é uma onda gigante. A academia pesquisa e classifica diversos tipos de onda, mas não criou uma etiquetagem métrica que possa ser ligada ao esporte. A questão do tamanho de ondas é um tema nebuloso na gramática dos surfistas: "meio metrão" e "um metrinho" são expressões ditas com frequência.

"Tamanho de onda é um conceito subjetivo: banhistas e surfistas sentem de forma diferente, por exemplo. Se tem de dois a três metros, pode-se considerar que a onda é grande. Para os surfistas, essa definição está mais ligada ao material usado no surfe. Se há necessidade de uma prancha maior, de mais de três metros de comprimento para surfar as ondas –chamada de gunzeira– aí, realmente, é um surfe de onda grande, gigante", afirma Nemes, numa dupla visão, de surfista e cientista.

VISÃO DE BIG RIDER

Vinicius dos Santos, surfista catarinense que pode ser considerado o atleta a ter surfado a maior onda do mundo, tem sua própria definição. "Considero que ondas gigantes são as maiores de 20 metros", afirma. Vini conta que se vê como um surfista de ondas grandes desde criança, quando surfava em Imbituba, no sul do Brasil, próximo à sua cidade natal, Florianópolis.

"Com 12 anos, já usava prancha do meu pai, adequada para ondas maiores, e era puxado por uma corrente que existe na região. Para mim, proporcionalmente, isso equivale aos barcos que eu uso hoje em dia, nas gigantes, porque eu era magrinho e pequenininho. Eu tive uma atmosfera diferente dos outros surfistas, tinha acesso a ondas grandes com meu pai, tios e primos, sempre querendo pegar ondas cada vez maiores", lembra.

Hoje, aos 32, Vini diz que passou a se considerar big rider depois de uma temporada surfando no México e no Havaí, alguns anos atrás. Depois de se destacar na remada, hoje o atleta se dedica ao tow-in, modalidade em que o surfista é puxado por um jet-ski até a onda gigante. "Só surfei uma onda verdadeiramente gigante neste ano, quando o meu patrocinador comprou um jet-ski para a minha temporada de inverno em Nazaré", explica o atleta, hoje apoiado pela PharmaCanna Brasil.

RECONHECIMENTO DA WSL

Questionada, a WSL respondeu sobre o processo de reconhecimento da maior onda surfada no mundo. De acordo com a liga, é preciso que o atleta se inscreva em seu concurso de ondas gigantes. "Na sexta-feira, 1º de abril, a World Surf League começou a aceitar inscrições para o Red Bull Big Wave Awards 2022", diz o comunicado.

As ondas devem ter sido surfadas entre os dias 1º de abril de 2021 e 31 de março de 2022. O prêmio é separado entre as categorias feminina e masculina para Ride of the Year (descida do ano), Biggest Wave Paddle-In (maior onda na remada) e Biggest Wave Tow-In (maior onda surfada com auxílio de jet-ski).

Nessas duas últimas categorias, é preciso que os atletas enviem também uma foto, não apenas vídeo, para concorrer. Segundo a WSL, após o Red Bull Big Wave Awards de 2022, a entidade medirá as ondas dos vencedores feminino e masculino para conceder os prêmios de maior onda remada e maior onda de tow-in, que serão anunciados "mais tarde no ano".

Já o papel do Guinness Records, caso a quebra do recorde mundial seja reconhecida, vem após o trabalho da WSL. "Como a WSL é o verificador oficial do Guinness World Records, ela coordenará com o Guinness a determinação se há um novo recorde mundial", diz a liga.

Sobre seu procedimento de medição das ondas gigantes, a WSL apenas afirma que "os dados serão revisados por uma equipe científica como ponto de referência crítico para a determinação dos recordes mundiais", não dando mais detalhes.