SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em cima da famosa tampa de isopor de seu pai, Italo Ferreira imaginava uma prancha profissional. Nas ondas de Baía Formosa, projetava outros mares. Ao pedir dinheiro a tios, tias e amigos para se inscrever em campeonatos, pensava em um dia retribuir.

Da infância pobre na pequena comunidade no Rio Grande do Norte, o surfista partiu para se tornar campeão mundial. Mas havia algo que nem nos seus mais surreais devaneios ele imaginava.

"As Olimpíadas eram fora da minha caixa. Sempre sonhei em competir no Circuito Mundial, mas Olimpíadas eram algo muito além", diz o surfista à reportagem, com uma medalha de ouro no peito.

O surfe só foi anunciado como esporte olímpico em 2016. Quando soube que era possível participar dos Jogos, Italo viu o inimaginável virar obsessão. Campeão, encara agora novas situações. Não à toa, espanta-se ao pegar o celular e perceber o tamanho da repercussão do feito em Tóquio --"é estranho".

A conquista simboliza a superação de um paradigma. A entrada no programa olímpico, com enorme sucesso, é um passo importante para um esporte que por anos foi visto com preconceito.

O potiguar é campeão de tudo --ou quase tudo, já que "ficou faltando um, o Mundial Junior", mas esse já passou. Mal consegue expressar quais serão os próximos objetivos. Diz querer praias isoladas para descansar e surfar até voltar a competir, nas etapas do México do Circuito Mundial, em agosto. Talvez precise de tempo para formular os passos seguintes e, por isso, vai passar alguns dias em Baía Formosa.

"[Antes] era difícil ir aos campeonatos, não tinha dinheiro para pagar as inscrições. Tinha que pedir para um ou outro, dormir na capa da prancha, do lado de fora da varanda da casa das pessoas. A gente tinha que estar ali acreditando que um dia aquilo ia melhorar. É o que estou vivendo hoje, só que bem melhor."

Italo recebeu a reportagem durante as poucas horas em que esteve em São Paulo. No vôo do Japão ao Brasil, quase não dormiu. Assistiu a filmes e conversou com Gabriel Medina, inclusive sobre a competição. O adversário, que chegou a Tóquio como favorito, terminou a disputa em quarto lugar.

O medalhista não quis descansar na capital paulista, conforme havia sido programado por sua equipe. Adiantou a passagem e, poucas horas depois de chegar ao país, seguiu viagem para a terra natal. A mesma pressa de quem, minutos depois de sair da água após conquistar o primeiro ouro da história do surfe em Olimpíadas, já queria voltar para casa antes mesmo de receber a medalha.

Italo comemorou, mas não fez questão de festa. Queria abraçar a família, cumprimentar os amigos, comer o cuscuz de dona Katiana, sua mãe, e mergulhar de novo ao chegar. O potiguar é tão "bicho do mar" que até os minutos decisivos da final olímpica, contra o japonês Kanoa Igarashi, quis passar sozinho.

"Eu comecei a comemorar quando ainda estavam faltando dois minutos. Comecei a vibrar, já comecei a gritar porque eu sabia que ele [Igarashi] estava numa situação muito difícil. Eu falei para mim mesmo 'não vou marcar mais [pontos], se tiver que ser, vai ser, esse cara não vai sair dessa'. Aí eu peguei uma onda, fui lá para o outro lado e fiquei comemorando sozinho", lembra Italo sobre os minutos finais da bateria.

Saiu da água, agradeceu a Deus e lembrou da vó, dona Mariquinha. Mais uma vez não conseguirá cumprir o ritual de mostrar um prêmio novo para sua maior incentivadora --ela morreu dias antes da conquista do Mundial de 2019. Italo conta que quem começou a tradição foi a própria avó, que sempre lhe dizia para sair de casa, ganhar de todo mundo e trazer o troféu para casa, onde ela estaria o esperando.

"Ela foi uma guerreira, né? Cuidou de seis filhos, perdeu um, não tinha condições financeiras, sempre correu atrás e nunca faltou nada. Sempre foi um exemplo para mim, assim como meu pai e minha mãe. E é por isso que valorizo todas as minhas conquistas, porque a gente veio de baixo", conta.

Cansado da viagem, ansioso para ir para casa, Italo olha para longe quando fala da avó. Questionado sobre como seria encontrá-la hoje, diz que faria como sempre, um abraço e um tapinha.

E o que diria pra ela? "Do jeito que eu falaria para ela?", pergunta. "Vó, eu sou foda."