SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - À primeira vista, o documentário "Schumacher", recém-lançado pela Netflix sobre o ex-piloto alemão de F1, nos leva a crer que seremos apresentados a uma parte da vida do ídolo que pouco se conhecia, a de sua intimidade com a família e momentos fora dos autódromos. A expectativa, no entanto, dura somente os minutos iniciais, nos quais ele é mostrado durante um mergulho com a esposa.

Tal qual o heptacampeão fazia na principal categoria do automobilismo mundial, o filme deixa pouco espaço para conhecermos um lado mais humano daquele que era visto como uma máquina de pilotar, um competidor obcecado, frio e, por vezes, calculista.

Ao optar por uma narrativa cronológica da carreira dele, que vai desde sua infância nas pistas de kart, passando pela rápida ascensão na F1 até o primeiro título pela Ferrari -o terceiro conquistado por ele-, a obra mais se dedica a apresentar o ex-piloto para gerações que não foram contemporâneas de sua época do que satisfazer o anseio dos fãs de saber, afinal, como vive o ídolo atualmente.

Na pequena sinopse disponível no serviço de streaming, a promessa de "traçar um perfil íntimo de Michael Schumacher" é cumprida apenas em parte, e sobretudo com depoimentos de Corinna Schumacher, esposa do alemão, que dá alguns indícios sobre a saúde do ex-piloto, de quem pouco se sabe desde dezembro de 2013, quando ele sofreu um grave acidente enquanto esquiava nos Alpes Franceses.

"Eu sinto falta de Michael todos os dias. E eu não sou a única que sente falta. Os filhos, a família, seu pai, todos ao seu redor. Todos nós sentimos falta de Michael, embora ele ainda esteja aqui", confessa Corinna.

Ela relata ainda que "ele não é mais o mesmo, mas está aqui e isso nos dá força para continuar", diz antes de lamentar o acidente. "Nunca culpei Deus pelo que aconteceu. Só teve muito azar, todo azar que poderia ter tido", afirma.

Ao longo do filme, a companheira de Schumacher comenta algumas passagens da carreira dele, reforçando o quanto ele era dedicado ao trabalho, além de lembrar algumas das características que mais lhe chamaram atenção desde quando se conheceram.

"Uma vez, eu fiz o jantar para o aniversário dele e, quando eu fui arrumar as coisas, ele foi o único que veio me ajudar a lavar a louça. Então, eu pensei: esse cara é muito legal. Ele é engraçado e foi isso que eu vi nele", diz Corinna.

Além de momentos de sua trajetória nas pistas, Schumacher aparece em imagens de entrevistas antigas. Em uma delas, lembra que o acidente que vitimou o brasileiro Ayrton Senna, em 1994, em Ímola, mudou sua forma de encarar as corridas.

"O pior [para mim] foram as duas semanas depois disso, quando eu tive de aceitar que ele tinha morrido", relembra Schumacher, antes de citar um episódio ocorrido na Inglaterra, semanas após a morte de Senna.

"Eu percorri o circuito de Silverstone em um carro de rua, olhando a pista e pensando 'este é um ponto em que você pode morrer'", contou o alemão, que conviveu com insônia por algum tempo. "Eu acordava durante a noite, dormia talvez umas três horas por noite, algo assim. Foi uma loucura."

Schumacher tinha um pôster de Senna em seu quarto na adolescência. E foi justamente com o brasileiro que ele teve sua primeira rivalidade na F1, algo que toma boa parte do filme de uma hora e 52 minutos. O alemão é apresentado como um jovem capaz de desafiar aquele que reinava nas pistas à época.

As disputas marcantes e também polêmicas com o britânico Damon Hill e com o finlandês Mika Häkkinen são outras relembradas no documentário, que conta ainda com depoimentos de pessoas que trabalharam diretamente com o alemão, como Jean Todt, Flavio Briatore e Ross Brawn. Por outro lado, companheiros de equipe, como Rubens Barrichello e Felipe Massa, por exemplo, são ignorados.

Para a geração que passou a se interessar mais por F1 após assistir à série "Drive to Survive", da própria Netflix, ou por disputar corridas virtuais no game oficial da categoria, o filme é competente para mostrar como Schumacher se transformou em uma lenda das corridas.

O próprio filho de Schumacher, Mick, hoje com 22 anos, tinha apenas cinco quando o pai conquistou o seu último título na F1, em 2004. Atualmente correndo na categoria pela equipe Haas, ele diz na obra que acha "um pouco injusto" o que ocorreu com Michael e lamenta pelo convívio não ser mais como era quando ele era criança. "Os momentos que acredito que muitas pessoas têm com seus pais não acontecem mais."

Aos fãs que tiveram o privilégio de acompanhar a carreira de Michael Schumacher, a produção, mais do que a chance de conhecer melhor o ídolo ou saber o que houve após o acidente, é um refresco à memória de cenas que, certamente, ainda estão muito vivas na mente de todos.

SCHUMACHER

Avaliação: bom

Quando: Em exibição

Onde: Netflix

Classificação: 12 anos

Elenco: Michael Schumacher (imagens de arquivo), Corinna Schumacher, Mick Schumacher, Mika Häkkinen e Damon Hill

Produção: Alemanha, 2021

Direção: Hanns-Bruno Kammertöns, Vanessa Nöcker e Michael Wech