Natação em Tóquio-2020 começa com perseguição a recordes de Pequim-2008 (1)
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sexta-feira, 23 de julho de 2021
ADALBERTO LEISTER FILHO, LEONARDO DIEGUES E DIANA YUKARI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando Cesar Cielo deixou a piscina do Cubo D'Água, após a final dos 50 m livre dos Jogos de Pequim-2008, havia se tornado o primeiro brasileiro campeão olímpico na natação. Também estabelecera o recorde da prova em Olimpíadas (21s30).
Era difícil imaginar à época que, 13 anos depois, no retorno dos Jogos ao continente asiático, a natação teria tão baixa evolução de marcas nos anos seguintes ao recorde de Cielo. As eliminatórias da modalidade nas Olimpíadas de Tóquio começam neste sábado (24), a partir das 7h02 (de Brasília).
Na época, Pequim-2008 mostrou evolução de 1,7% das marcas dos medalhistas em relação a Atenas-2004. O número pode parecer baixo, mas na natação representa várias braçadas de diferença. Foi a maior evolução da modalidade nos últimos 40 anos de Olimpíadas.
Nestas quatro décadas, o segundo maior avanço de tempos de uma Olimpíada para outra havia sido em Los Angeles-1984, com melhoria média de 1,3% nos tempos dos medalhistas.
É preciso ressaltar, porém, que em Moscou-1980 houve um grande boicote liderado justamente pelos Estados Unidos, principal potência da modalidade. Provavelmente, os tempos dos ganhadores de medalha de 1980 estavam aquém do que poderiam, devido ao boicote, facilitando o enorme salto para 1984.
Para os especialistas, os tempos impressionantes de Pequim em 2008 podem ser explicados pelos equipamentos utilizados na época pelos nadadores. "Esse período de 2007 a 2009 foi a fase dos trajes tecnológicos. Eles foram lançados em 2007, evoluíram em 2008 e chegaram ao auge no ano seguinte, no Mundial de Roma", afirma Alex Pussieldi, comentarista de natação do Swim Channel.
Embora os trajes tecnológicos tenham começado a ser desenvolvidos desde os anos 90, o salto de qualidade se deu na década seguinte. Em 2008, a Speedo lançou equipamento com tecido ultrafino, que repelia a água e comprimia os músculos. Esses maiôs foram responsáveis pela pulverização de vários recordes mundiais ao longo da temporada.
As concorrentes, as italianas Arena e Jaked, responderam com trajes que cobriam boa parte do corpo, melhorando a flutuabilidade e a compressão muscular. Era uma vantagem competitiva, que foi acentuada em 2009, quando modelo feito inteiramente em poliuretano foi lançado pela Jaked.
As marcas que se seguiram acenturaram uma polêmica que a Fina (Federação Internacional de Natação) teve que lidar. Havia a crítica de que os maiôs, mais do que os atletas, seriam os responsáveis pelo alto nível técnico da natação naquela temporada. No Mundial de Roma-2009, houve a quebra de incríveis 43 recordes mundiais. Ao final da competição, em agosto, a Fina decidiu proibi-los a partir do ano seguinte.
Em termos olímpicos, o reflexo dessa decisão se deu a partir dos Jogos de Londres-2012. Metade dos recordes das Olimpíadas nas provas masculinas ainda remontam a Pequim-2008.
Entre as mulheres, a evolução nos tempos foi maior. Nenhuma marca sobreviveu.
Mas se examinada a lista de recordes mundiais, 2009 ainda é um ano-chave nas piscinas. Dez marcas não foram superadas, 12 anos depois. Pode parecer pouco, mas a natação não tem nenhum recorde mundial anterior aos Jogos de Pequim-2008.
Dois deles estão mantidos, incluindo os 400 m medley de Michael Phelps (4min03s84). Para os brasileiros, a herança desses anos dourados nas piscinas está em Cesar Cielo, que mantém as melhores marcas do planeta nos 50 m livre (20s91) e 100 m livre (46s91).
A mudança em relação aos trajes causou a estagnação dos tempos. Se em Pequim-2008 houve evolução entre os medalhistas de 1,7% em relação a Atenas-2004 (como vimos acima), em Londres-2012 aconteceu melhoria de só 0,13% sobre as Olimpíadas chinesas.
É o pior índice em toda a história dos Jogos. De longe, quem mais afundou foram os homens (0,07%) em relação às mulheres (0,32%). Há uma razão para isso.
"Ainda existem trajes que fazem a diferença. Mas hoje os homens podem usar no máximo a bermuda. E a mulher usa o macaquinho do joelho até os ombros. Então, a superfície do traje feminino cobre pelo menos 50% a mais do que o masculino", analisa Pussieldi.
Se aumentarmos a linha temporal, Pequim-2008 ainda reverbera. Comparados aos tempos obtidos pelos medalhistas das Olimpíadas na China, o Mundial de 2019, disputado em Gwangju, na Coreia do Sul, apresentou evolução de apenas 0,4%. Após 11 anos, as mulheres mantiveram maior crescimento (0,6%) do que os homens (0,1%).
Mesmo com os trajes proibidos, o legado daqueles anos mágicos ainda poderá ser visto na disputa da natação em Tóquio-2020 na preparação das atuais estrelas das águas, como os norte-americanos Caeleb Dressel e Katie Ledecky, o britânico Adam Peaty, a húngara Katinka Hosszú e a australiana Ariarne Titmus.
"Os treinadores passaram a se preocupar em manter o corpo do atleta alinhado em cima da água. O traje tecnológico foi embora, mas o conceito ficou", analisa Pussieldi, que acrescenta outra contribuição do período: "Naquela época, os nadadores tinham corpos fortes e volumosos. O maiô fazia a diferença. Hoje, a natação pede atletas fortes e secos. O traje deu uma aula para nós."