A coroa do rei
Romário tem levado a melhor no duelo de vaidades que sustenta com Edmundo, seu êmulo de fé. Proibido de falar, em público, sobre a desavença entre os dois, Romário recorre à linguagem mímica: com as duas mãos erguidas em forma de circulo, ele comemora um gol, emoldurando sua obra com a coroa de rei. É uma sutil resposta a quem o chamara de príncipe. Romário não digeriu a perfídia. Príncipe, uma ova: eu sou é rei.
Na verdade, Romário é, sem dúvida, a grande majestade da corte do futebol. Pelo menos, no reino restrito da grande área, ninguém lhe faz sombra. Confesso que, tal como vejo os dois, Edmundo, sem dúvida, tem um lugar na nobreza do futebol brasileiro, mas ainda deve reverências ao monarca. Edmundo tem perfil de arquiduque.
O leitor Dalmo Pereira me pergunta por que será que os dois se estranham tanto, sendo ambos igualmente célebres, ricos, vitoriosos?
Pouco sei da natureza humana. A vida, me parece, é um abismo de equívocos, de malentendidos, de vaidades. É disputa de poder, quem sabe? Ou será uma queda-de-braço por um cetro? O que não se questiona é que são dois magníficos jogadores. Ambos craques, mas essencialmente diferentes entre si. Em campo, um é flamante, incendiário; o outro glacial, dissimulado. A bola de Edmundo é encrespada, enigmática; a bola de Romário, é plácida, exata e transparente. Edmundo é arrebatamento; Romário é contenção. A bola de Romário, no trato, é angelical; no desfecho, é mortal. A bola de Edmundo, movendo-se ou imóvel, é sempre satânica: corre pelo mundo povoada de demônios.
Edmundo tem olhar de espinhos: podendo ferir, fere fundo. Romário tem olhar manso de entardecer. Romário não olha, entreolha. Parece que traz a alma cheia de reticências. Edmundo não olha, sobreolha. A alma poreja fogo. Romário não agride jamais. Agredido, retribui o agravo com um ar de desprezo que mais condena que absolve. A bola de Edmundo é nômade: corre-campo, serpenteia fogo pelo campo. A bola de Romário é estática, sedentária, crente, canonizada.
O que há de comum entre os dois é que, mesmo tendo cada um a sua bola, as duas se irmanam na mesma obsessão: ambas são ávidas de gol. Gols que redimem.
A alma alvinegra
Na rubrica Trocando Figurinhas, falei, há dias, de uma botafoguense do Pará que sofria por ter lido que o alvinegro João Moreira Salles teria definido o Botafogo como um clube com a vocação da derrota. Duvidei que meu bom amigo tivesse o Botafogo em conta assim tão catastrófica. Pois acabo de receber uma carta em que o João põe os pingos nos iis. Transcrevo, na íntegra:
‘‘Querido Armando, não bastasse eu ter comprado briga com a polícia, com o governador, com parte da opinião pública e com todo o povo alemão, consegui também a façanha de me indispor com aqueles que sempre considerei meus mais preciosos companheiros de viagem – os botafoguenses. A culpa, juro, não é minha. A frase atribuída a mim na Veja sequer é minha (é do Nelson Rodrigues). Pior foi a minha resposta à pergunta por que você é Botafogo?, cuja parte principal, a conclusão, acabou esquecida nos desvãos da editora Abril. Disse, sim, que botafoguenses são sorumbáticos e céticos (coisa saudável neste país tão complicado), e que somos poucos. Mas acrescentei: esta é precisamente a nossa grandeza. Somos daqueles que vivem na contramão, a contrapelo da multidão e da unanimidade para se estar. Nada disso saiu e eu passei a ser acusado de trair justamente uma das coisas que, sem qualquer exagero, me faz acordar de manh㠖 meu Botafogo querido.
Na sua coluna de hoje você me livrou da pecha de Calabar. Com gratidão específica, e a admiração de sempre, João Moreira Salles.’’
RÁPIDAS E RASTEIRAS
- mundo vertiginoso da Internet está assim: a Federação Paulista de Futebol acaba de receber proposta do portal americano Ibero-American Interativ Network, oferecendo a cifra de 22 milhões de dólares pra mostrar, na tela da Internet, tudo sobre o futebol paulista. O contrato é de quatro anos. O presidente Farah ainda não bateu o martelo porque, a qualquer momento, chega às mãos dele outro lance, também, internacional, de 25 milhões de dólares.
- Pete Sampras, o próprio, em entrevista nos Estados Unidos, admitiu que, se Guga tivesse ganho o quarto set, em Miami, certamente teria ganho o quinto, porque ele, Sampras, já estava com a língua de fora.
- Paulo Henrique Amorim escapou de morrer, em assalto dentro do condomínio em que mora, em São Paulo. Foi espancado pelos bandidos. Quebraram-lhe duas costelas, a pontapés. Felizmente, Paulo Henrique já voltou ao trabalho.
- Entrevistei Lars Grael, no meu programa do Sportv que, agora, passou a se chamar Programa Armando Nogueira e não mais Esporte Real. Lars é o exemplo mais edificante de coragem e de força de vontade que o esporte deu à própria vida. Na verdade, mais que um herói olímpico, entrevistei um homem-símbolo.
- Ainda Lars Grael: num papo, já fora do ar, ele citou Almeida Braga como um dos brasileiros de mais ampla e consistente cultura esportiva que ele já conheceu. Diz que Braga domina, a fundo, a teoria de todos os esportes. E eu, cá comigo: agora, Deus do céu, quem vai aguentar a banca do meu querido Bragota?