PORTO ALEGRE, RS (UOL/FOLHAPRESS) - A morte de Mino Raiola trouxe à tona diversas passagens da carreira do superagente de Zlatan Ibrahimovic, Paul Pogba, Haaland entre outros. O empresário, no entanto, foi além da Europa e teve jogadores brasileiros na lista de agenciados. Com direito a aposta em jovens das categorias de base de times do Brasil. A relação incluiu passagens por Porto Alegre, São Paulo e causos pelas ruas brasileiras.

Raiola morreu no sábado (30), aos 54 anos, em Milão, depois de passar dias internado em hospital da capital italiana. A causa do falecimento não foi revelada.

"O Mino mudou o mercado, essa é a verdade. Eu nunca tive nada assinado com ele, nunca. Era na base da confiança. Tudo na confiança. Ele sabia fidelizar o jogador e todo mundo tinha respeito pela postura dele nas negociações e na relação", conta Lucas Roggia, ex-atacante revelado na base do Inter e que passou pelo Milan.

As conexões mais fortes com o Brasil aconteceram depois que a carreira de Mino Raiola explodiu na Europa. Os contatos nasceram de operações em parceria com agentes brasileiros em destaque no final da primeira década dos anos 2000. E por ali também começou outra fase do trabalho.

O empresário passou a garimpar promessas brasileiras com dupla cidadania, com passaporte de algum país europeu. Tudo de olho em transferência e adaptação mais rápida e viável. Foi aí que surgiu Porto Alegre, onde onde saíram vários atletas para o portfólio do agente italiano.

"Ele era muito transparente, então chegava na reunião com o jogador e dizia 'estou aqui para resolver a tua vida, mas não vamos falar diariamente. Fala com o fulano, beltrano, porque eles trabalham comigo. Se precisar de algo urgente, me liga, mas de resto vai tocando com eles. Na hora certa, vamos nos encontrar de novo'. Ele já avisava o cara, era muito sincero. Ele realmente resolvia, então todo mundo ia e sabia como seria. Aprendi muito com ele, principalmente nesta parte de gestão", relata Léo Ferreira, atual empresário de Roger Machado, treinador do Grêmio, e que trabalhou para Mino Raiola.

REUNIÃO DURA NO BEIRA-RIO

O estilo de negociação e a postura de Mino Raiola aparece em 10 entre 10 relatos sobre o empresário. Porto Alegre foi palco de uma atuação ao melhor estilo superagente. Raiola era o representante de João Paulo e Lucas Roggia e foi ao estádio Beira-Rio para tratar da renovação contratual da dupla, então promessa na base colorada. Não deu negócio.

A diretoria do Inter saiu irritada e o italiano também. O impasse durou meses e foi recheado por ameaça de saída livre do meia e do atacante. O clima chegou a esquentar em uma das salas do estádio colorado, que viu ambos os jogadores ampliarem os vínculos depois de muitas conversas.

"Ele era firme, defendia o jogador sempre. Sempre", lembra Roggia. "O Mino resolvia, ou com renovação ou com um negócio, e o pessoal do Inter ficou irritado. Eu cheguei a ser proibido de ir ao Beira-Rio por um tempo. Mas no fim deu tudo certo", lembra Léo Ferreira.

MOTO EM MÔNACO E SÃO PAULO

Fora da mesa de negociação, Mino Raiola era alegre. Mantinha a franqueza, mas com pitadas de bon vivant e atencioso com amigos e colegas. Foi esse lado quase secreto que fez o empresário dar uma volta para lá de inusitada a bordo de uma moto.

"Fui a Monaco conhecer a família dele e ele tinha uma moto que ele adorava. Fizemos o circuito da Fórmula 1 com a moto. Ele me levou pelas ruas todas e a gente parou em alguns lugares e o Mino explicou, empolgado, sobre o que acontecia ali durante a corrida. Foi uma das últimas vezes que vi ele", lembra Roggia.

Quem conviveu ainda mais com ele tem memórias que vão além das horas de diversão.

"Nos deixa um grande homem, que fazia o melhor pelos seus. Quantas histórias, desde andar de moto em São Paulo a jantar no restaurante mais caro de Mônaco. Quantos conselhos, desde ler Platão até ter filhos cedo", escreveu Felipe Mattioni, ex-lateral direito do Grêmio, em postagem no Instagram. "Me lembro até hoje do teu 'ciao, Felipe' antes de Cruzeiro x Grêmio no Mineirão, em que perdemos por 3 x 0, mas a capa do jornal seguinte era que o time tinha afundado, menos eu. Deixaste um legado, o quanto aprendi em cada reunião não há um mestrado ou doutorado que se compare. Se me voltasse a trabalhar no futebol com certeza já estaria preparado só pelo convívio que tivemos", adicionou.

O SUCO DE MELANCIA

As viagens ao Brasil não foram poucas, mas insuficientes para Mino Raiola se adaptar a diferentes características das cidades. A Porto Alegre no início dos anos 2000 foi particularmente difícil.

"Ao chegar em Porto Alegre ele já reclamava, em tom de brincadeira, e ficava repetindo 'que cidade feia, nossa! Vocês têm que morar em São Paulo!'. Queria um suco de melancia e na época não tinha em lugar nenhum na cidade! 'Pô, em São Paulo tem de tudo! Pego minha moto e posso comprar qualquer coisa até de madrugada!'. Muitas vezes ele pedia para gente ir a São Paulo e nos encontrávamos todos lá para reuniões", rememora Léo Ferreira.

"Ele veio várias vezes a Porto Alegre e ficava no (hotel) Sheraton, ali na Padre Chagas. Íamos à churrascaria, mas às vezes ele queria algo de madrugada e Porto Alegre não tem nada aberto de madrugada. Ele reclamava mesmo, do jeitão dele", acrescenta.