Medalhas, lágrimas e migalhas
A pressão competitiva está fazendo o atleta perder a dimensão de que ele precisa de quatro anos para conseguir estar em uma Olimpíada
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 05 de agosto de 2024
A pressão competitiva está fazendo o atleta perder a dimensão de que ele precisa de quatro anos para conseguir estar em uma Olimpíada
Por Julio Oliveira
As comemorações dos grandes vencedores nas Olimpíadas de Paris têm sido únicas, especiais e de extrema emoção, obviamente. Apenas cada atleta que sobe ao pódio sabe entender o que aquele momento significa. É a conquista que retrata não só o fato de ter vencido o oponente, mas o peso de uma trajetória duríssima que é cumprir um ciclo olímpico. E o primeiro relaxamento vem com as lágrimas.
Esse desabafo emocional é natural e, às vezes, atinge até quem está muito longe. Vivemos de emoções. Mas eu queria ficar apenas com as reações dos brasileiros em Paris. E não pela cor da medalha e não só pelas vitórias. E como choraram os atletas brasileiros nessa primeira semana.
Trabalhando exclusivamente na cobertura dos jogos nestas duas semanas, está sendo possível ter contato com muitos comentaristas de modalidades que não acompanhamos tanto. E há uma unanimidade em debater a competição sob o aspecto de que os resultados têm estado acima de edições anteriores, chamando muito a atenção de como os atletas estão cada vez mais próximos de uma perfeição. Isto reflete em resultados extraordinários, em números, mas preocupa pelo lado mental.
Ao mesmo tempo em que as marcas ficam históricas, aumenta a pressão. Rafaela Silva, do judô, perdeu na semifinal e chorou “pedindo desculpas” por não conseguir uma medalha no individual (depois conquistou por equipes). Guilherme Cachorrão, da natação, se cobrou de uma forma assustadora ao não conquistar pódio mesmo tendo batido recorde sul-americano.
A pressão competitiva está fazendo o atleta perder a dimensão de que ele precisa de quatro anos para conseguir estar em uma Olimpíada e só tem uma competição para conquistar a glória. E essa inversão se torna ainda mais pesada para os que vencem pouco, como os brasileiros. Essa dor de “derrota” dos nossos atletas carrega a perda de oportunidade de chamar a atenção para cada modalidade e conseguir mais apoio para edições seguintes.
Em muitas lágrimas está o sentimento de que poderíamos ser muito mais fortes, mas a política esportiva no Brasil enfraquece uma nação poderosa. Vamos comemorando migalhas. Uma fala para refletir foi a de Caio Bonfim, prata na marcha atlética: “o primeiro esporte no Brasil é o futebol e o segundo é o que ganha”.
Julio Oliveira é jornalista e locutor esportivo da TV Globo - A opinião do colunista não representa necessariamente a da Folha de Londrina