São Paulo - Junho de 1990. Gerardo Martino, então volante do Newell’s Old Boys, está sentado na sala de espera de uma emissora de TV de Rosário, província de Santa Fé, na Argentina, aguardando a sua hora de entrar no estúdio para comentar uma partida da Copa do Mundo da Itália, função que exerceria durante as férias. Eis, então, que o técnico Marcelo Bielsa, que acabara de ser contratado para dirigir o Newell’s Old Boys e ainda não havia comandado nenhum treino da equipe, entra na sala. Os dois conversam rapidamente antes de começar a transmissão.
Passados mais de 23 anos, não é exagero dizer que aquele rápido encontro mudou a vida de Martino. Ali, ele descobriu quem é Bielsa, então um técnico em começo de carreira que ele só conhecia de nome - os dois nunca haviam se encontrado. Bastaram poucos minutos de conversa para que fosse criada uma enorme empatia entre os dois profissionais da bola. "Logo percebi que Marcelo é um cara que te fez pensar permanentemente. Agora que ele é reconhecido em todo o mundo, é fácil dizer que é o melhor. Mas eu disse isso ainda em 1990...", lembra.
Martino, que carrega o apelido de Tata desde a adolescência, é um seguidor orgulhoso de Bielsa, técnico que ganhou a fama de louco e acumula passagens pelas seleções argentina e chilena, entre outras equipes de destaque. Mas ele não é um simples fã, pois segue à risca os ensinamentos do mestre. Por isso, é chamado de "bielsista", assim como o colega Diego Simeone, atualmente no comando do Atlético de Madrid.
Por exemplo: assim como Bielsa, Martino gosta de planejar todos os movimentos e estudar os mínimos detalhes de uma partida a fim de minimizar a influência do acaso. Outro hábito herdado do mentor é usar agasalho e tênis. Paletó e sapato, apenas em ocasiões especialíssimas, como a sua apresentação no Barcelona, há duas semanas. A principal característica de Bielsa que Martino adotou, no entanto, é a fome de ver seus times como protagonistas em todos os jogos. O treinador exige toque de bola e muita movimentação de seus atletas. Justamente por isso, foi contratado pelo Barcelona.
Com Martino, a diretoria do clube catalão pretende manter uma filosofia de jogo que atingiu o ápice com Pep Guardiola, campeão de tudo durante sua passagem pelo Barça. Na Espanha, o argentino não terá de inventar a roda. O que se espera dele é que faça exatamente o que vinha fazendo à frente do Newell’s Old Boys, atual campeão argentino. Com uma diferença: no Barcelona, o material humano que terá à disposição é infinitamente superior ao que tinha na Argentina. Por isso, a expectativa é que os resultados também sejam infinitamente superiores. E, em se tratando de Barcelona, isso significa reconduzir o clube ao topo do mundo - e, no caminho até lá, faturar todos os títulos possíveis.
Conceitos idênticos
Por mais que seja inconcebível comparar Newell’s Old Boys e Barcelona, o trabalho de Martino no clube argentino é a referência. Isso porque ele assumiu a equipe de Rosário em frangalhos, em janeiro de 2012, e, menos de dois anos depois, conquistou o Campeonato Argentino e foi semifinalista da Libertadores.
Quando o treinador chegou ao Newell’s Old Boys, o time acumulava 15 jogos sem vitórias e a pressão era enorme. A história de Martino como jogador do próprio clube, no entanto, serviu de escudo para o elenco - como volante, ele disputou 505 partidas por lá, um recorde, e ganhou três títulos, marca alcançada por apenas outros três atletas.
Protegido das críticas da torcida, ele implantou o esquema tático 4-3-3 e fez com que os jogadores valorizassem mais o jogo coletivo do que as jogadas individuais - não por acaso, ele costuma dizer: "Aqui, todos ganham e todos perdem, não há salvadores". Com Martino no comando, o Newell’s Old Boys passou a ser uma tropa muito bem organizada, que, quando o adversário menos esperava, tomava a sua área de assalto.
O time atuava com praticamente todos os jogadores no campo de ataque, os defensores perderam o medo de dar passes curtos, foram abolidos os chutões e os atacantes arriscavam a todo instante jogadas em profundidade. Assim, Martino e o Newell's Old Boys deixaram muita gente de queixo caído na Argentina. Qualquer semelhança com o Barcelona, guardadas as devidas proporções, não era mera coincidência.
Esse Newell’s Old Boys foi (e certamente o Barça também será) moldado a partir de exaustivos treinos, com repetitivas práticas de variantes para jogadas de bola parada e diversos ensaios de posicionamento defensivo e ofensivo. Tudo devidamente demarcado no campo por cones e estacas. Não é raro também ver Martino durante os treinamentos com a bola no meio do campo, ao lado dos seus jogadores, revivendo os velhos tempos de volante. Exatamente como aprendeu com Bielsa.