SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Los Angeles Lakers vivia a pior fase de sua história, em fevereiro de 2017, quando Jeanie Buss foi almoçar na casa de Kobe Bryant. As campanhas vitoriosas já eram uma memória distante, os principais jogadores da NBA nem cogitavam a possibilidade de atuar na equipe e o próprio Kobe, aposentado no ano anterior, não podia mais ajudar com suas cestas.

Bryant, então, resolveu dar uma assistência. Aconselhou Jeanie a tomar agressivamente o controle do clube, cuja administração ela dividia com o irmão, e lhe recomendou que agisse como a destemida personagem Daenerys Targaryen, do seriado "Game of Thrones". Ela aceitou a sugestão e, agora, está a um passo de ser recompensada.

Os Lakers vão enfrentar nesta sexta-feira (9) o Miami Heat, às 22h (de Brasília), com a possibilidade de retomar o trono da NBA após dez anos. Se o time roxo e amarelo vencer a partida, que terá transmissão da Band e da ESPN para o Brasil, fechará em 4 a 1 a série melhor de sete da decisão e receberá o 17º troféu de sua história.

Nesse caso, Jeanie, 57, estará na quadra para receber a taça. É tradição nos EUA o dono da equipe ter em suas mãos o prêmio antes de passá-lo aos atletas. E não há dúvida de que seja ela, sobrevivente em uma trama novelesca de traições e provações, a pessoa para a tarefa.

Se a conquista for confirmada em Lake Buena Vista -nos arredores de Orlando, onde vem sendo concluída a temporada da NBA, no que se convencionou chamar de "bolha" de proteção contra o coronavírus-, será a primeira da equipe de Los Angeles desde 2010. De lá para cá, houve uma sequência de fracassos esportivos e tragédias.

O pentacampeão Kobe morreu neste ano, aos 41, em um acidente de helicóptero. Jerry Buss, que comprou os Lakers em 1979 e levantou dez troféus, morreu em 2013, aos 80. E demorou para que a entidade se acertasse, com os filhos de Jerry brigando pelo poder e fracassando na tentativa de montar elencos competitivos.

A espiral de insucessos teve início em 2011. Depois de falhar na luta para defender o bicampeonato, com um Bryant limitado por lesão, o clube acertou uma troca que colocaria o armador Chris Paul -no auge, aos 26 anos- para atuar ao lado do craque, mas a NBA vetou a negociação, apontando motivos que jamais convenceram os dirigentes da equipe californiana.

Lamar Odom e Pau Gasol, que seriam liberados para a chegada do reforço, nunca se recuperaram, e houve em seguida diversas tentativas malogradas de reformulação. A formação de 2012/13 era espetacular no papel, com as chegadas de Steve Nash e Dwight Howard, porém toda a expectativa em torno do elenco se transformou em desapontamento.

Na decepcionante campanha -na qual Kobe chegou a jogar 48 minutos por partida em uma sequência para assegurar classificação aos playoffs, destruindo um tendão de Aquiles no processo-, já estava clara a tensão entre os filhos de Jerry Buss. Após a morte do pai, durante aquele campeonato, a querela se tornou ainda mais complicada.

Era desejo de Jerry, estipulado em testamento, que dois de seus seis herdeiros assumissem o controle dos Lakers. Jim, hoje com 60 anos, seria o responsável pelo basquete. Jeanie tocaria os negócios e ganhou o título de "governadora", o que significava que a palavra final seria sua.

A empresária procurou respeitar o desejo do pai e deixou a parte esportiva com o irmão, mesmo em situações que a machucaram. Até quando Jim se recusou a contratar em duas diferentes ocasiões Phil Jackson -técnico pentacampeão com o time e então noivo de Jeanie-, ela se manteve restrita ao papel de administradora financeira.

A carta branca a Jim, porém, foi dando resultados esportivos cada vez piores. As temporadas de retrospecto negativo foram se acumulando, com elencos problemáticos e contratos longos oferecidos a atletas medianos. O descrédito era tal que o astro Kevin Durant, ouvindo diversas equipes para decidir seu futuro em 2016, não quis nem se reunir com os cartolas dos Lakers.

Essa situação foi ficando mais clara na cabeça de Jeanie até o almoço de 2017 na casa de Kobe. Naquele dia, Bryant sugeriu que ela se tornasse "a mãe dos dragões". A personagem citada por Kobe não era apenas um exemplo de mulher forte: a Daenerys de "Game of Thrones" tinha desafiado o próprio irmão pelo poder e pelo que julgava correto.

"Em algum momento, a mãe dos dragões precisa entender que é a mãe dos dragões", disse Kobe, em uma entrevista de 2018 ao site The Athletic.

"Jeanie, seu pai deu a você a última palavra por um motivo", afirmou o ex-jogador, recordando o que havia dito no almoço com ela. "Você tem que respeitar esse desejo dele também. Ele deu a você o martelo para tomar decisões realmente difíceis. Às vezes, é necessário aceitar isso e tomar essas decisões difíceis."

Surgiu na conversa o nome de LeBron James, que, não era segredo para ninguém, seria o alvo dos Lakers em 2018, quando acabaria seu contrato com o Cleveland Cavaliers. E Bryant alertou que o craque provavelmente agiria como Durant e nem cogitaria assinar com o time se o estado das coisas não se alterasse.

Menos de duas semanas depois, ela demitiu o irmão do posto de responsável de basquete e colocou o ídolo Magic Johnson em seu lugar. Houve uma espécie de tentativa de golpe de Jim, e o caso foi parar na Justiça. Jeanie, então, mostrou o estilo Daenerys cobrado por Kobe.

Em um documento do caso que foi publicado pelo Los Angeles Times, Jeanie fez a seguinte descrição do irmão: "Ele já se provou completamente incapaz, mesmo no papel de vice-presidente de operações de basquete, e eu recentemente precisei substituí-lo".

Superado nos bastidores do jogo de tronos roxo e amarelo, Jim nem levou o processo adiante, admitindo a derrota e assinando um papel em que assumia: a irmã era a controladora geral do clube. Estava aberto o caminho para que Magic Johnson convencesse LeBron a assinar com a equipe.

Um ano depois, chegou Anthony Davis, que se mostrou o parceiro perfeito para James. A dupla finalmente levou os Lakers aos playoffs após seis anos de ausência e, mais do que isso, deixou o time bem perto de atingir o 17º título e de se igualar ao arquirrival Boston Celtics -o que seria motivo de enorme alegria para Jerry Buss.

Kobe também "está certamente orgulhoso", como observou Davis. E será com um uniforme desenhado por Bryant que a equipe vai atuar nesta sexta, tentando homenageá-lo mais uma vez.

Na quadra, seu sucessor é LeBron, que se apresenta como "The King", o rei. Fora dela, está claro de quem é a coroa. A taça eles podem dividir.