<p> TOYOHASHI, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Expectativa: receber atletas brasileiros com clima de festa a partir de 8 de julho na cidade de Hamamatsu, na província de Shizuoka, para o período de aclimatação para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos.

</p><p>Realidade: a menos de 90 dias da abertura de Tóquio-2020, marcada para 23 de julho, a incerteza ainda ronda o arquipélago, que atravessa mais uma forte onda de Covid-19.

</p><p>Hamamatsu espera receber quase todas as delegações paraolímpicas e quatro das delegações olímpicas do Brasil para o período pré-Jogos. Com 1,5 mil km² e 800 mil habitantes, cerca de 10 mil deles brasileiros (uma das maiores concentrações per capita do país insular), a cidade litorânea é conhecida como "a mais brasileira do Japão".

</p><p>Uma das nove bases verde-amarelas no país, Hamamatsu deve hospedar delegações olímpicas de ginástica rítmica, judô, rúgbi e tênis de mesa, e 14 modalidades paraolímpicas, com 350 integrantes (uma vez classificados), segundo dados mais recentes do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro).

</p><p>A ideia é que os atletas desembarquem no aeroporto e, sem quarentena, já se dirijam a Hamamatsu, onde devem se aclimatar e treinar por 15 dias (ou menos, dependendo da modalidade) até partir para Tóquio, a cerca de 250 km.

</p><p>"O futuro é nebuloso, mas estamos trabalhando como se os Jogos fossem acontecer amanhã e o amanhã estivesse garantido", conta Etsuo Ishikawa, 59, um advogado paulista radicado há 30 anos no Japão, que tem trabalhado como consultor internacional e coordenador responsável pela ponte entre a prefeitura de Hamamatsu, COB e CPB.

</p><p>Apesar das incertezas, a cidade está trabalhando a todo vapor à espera dos atletas brasileiros. Nos departamentos de esporte e de cultura, são 25 funcionários mobilizados. Nas instalações, como arenas, campos e ginásios, mais de 80.

</p><p>Foram definidos oito locais de treinamento para as modalidades olímpicas e 16 para as paraolímpicas. Um centro de exposições será adaptado especialmente para os atletas paraolímpicos, com médicos, massagistas, refeitório, escritório e demais instalações.

</p><p>Expectativa, mais uma vez: a tocha olímpica deve passar pela cidade no dia 23 de junho, 15 dias depois deverá desembarcar a equipe de judô e, a partir daí, devem ocorrer atividades com os atletas brasileiros de diversas modalidades junto à comunidade brasileira no Japão, como treinos abertos ao público, um projeto de interação intitulado "Torcida Brasil" e rodas de conversa entre esportistas e estudantes no campus da Universidade de Arte e Cultura de Shizuoka.

</p><p>Realidade: aglomerações vêm sendo registradas na passagem da tocha olímpica (a ponto de Osaka se recusar a receber o revezamento nas ruas da cidade), estados de emergência por causa da pandemia foram decretados em quatro províncias (entre elas, Tóquio), há indefinições e pendências nos protocolos a serem adotados junto às delegações estrangeiras nas cidades anfitriãs para aclimatação e ainda não foi definido como vão ficar as arquibancadas, com ou sem público, nas arenas de Tóquio.

</p><p>O governo do premiê japonês Yoshihide Suga está preparando um manual (um tipo de guia de regras como o "playbook" da Tóquio-2020, publicado no início de fevereiro e atualizado dia 28 de abril), que será distribuído para as cidades que vão abrigar delegações.

</p><p>Cidades anfitriãs para aclimatação vão receber esse manual e complementá-lo com as observações que julgarem necessárias, considerando as diferentes ondas de infecções no Japão -Hamamatsu, por exemplo, teve 1.258 casos e 37 mortes desde o início da pandemia.

</p><p>O Japão, um arquipélago de 126 milhões de habitantes, registrou 580 mil casos e 10.052 mortes por Covid-19 até esta sexta (30).

</p><p>Após revisar o guia do governo japonês, Hamamatsu vai encaminhar o manual ao COB e CPB para conferir se estão de acordo com as condições impostas pela pandemia, conta Ishikawa.

</p><p>Depois, o material volta à prefeitura e ao governo japonês, para conferir se todos estão na mesma página. A partir daí se inicia a leva de licitações para bater o martelo nas logísticas de transporte, hospedagem e alimentação (incluindo adaptações para o menu nos moldes brasileiros).

</p><p>"Estamos todos trabalhando focados na possibilidade certa, mas o maior adversário é o vírus. O mês de maio será decisivo", diz Ishikawa, que também é fundador da Abrah (Associação Brasileira de Hamamatsu).

</p><p>Num mundo ideal, atletas e delegações desembarcariam em um dos aeroportos internacionais do Japão já vacinados ou com exame PCR negativo. Ao chegarem, fariam novo teste e iriam para Hamamatsu. Diariamente ou a cada quatro dias, novos exames.

</p><p>Assim, atletas vão poder se deslocar teoricamente do hotel para treinamento, do treinamento para hotel, o que limitará a possibilidade de integração deles com a cidade. Financeiramente, afirma Ishikawa, não terá impacto orçamentário significativo para os cofres públicos. "A maior perda é simbólica e cultural, isso é, do contato dos atletas com os brasileiros da cidade. Calor humano dificilmente terá, infelizmente."

</p><p>Para Ishikawa, foi um longo caminho até aqui. O acordo entre Hamamatsu e os comitês está sendo discutido por alto desde a Rio-2016 --conversas mais concretas sobre a parceria e viagens de representantes do Japão ao Brasil e vice-versa se deram a partir de 2017.

</p><p>Desde então, equipes olímpicas e paraolímpicas (de judô e triatlo, por exemplo) já pararam em Hamamatsu para aclimatação pré-campeonatos mundiais e fizeram encontros com estudantes brasileiros e outros centros culturais. Depois de encontros formais e memorandos de intenções, foram assinados contratos em 2019.

</p><p>Em março de 2020, quando foi declarada a pandemia de Covid-19, Ishikawa estava no Brasil e, "aos 45 do segundo tempo", conseguiu voltar ao Japão antes do fechamento de fronteiras, um controle rigoroso que se mantém até hoje no arquipélago.

</p><p>Em fevereiro de 2021 desembarcou o atual cônsul-geral do Brasil em Hamamatsu, Aldemo Garcia, 61, vindo do Timor Leste. "A expectativa do consulado é muito positiva", diz Garcia. "Estamos otimistas com a proximidade dos Jogos, apesar da pouca porcentagem de vacinados na população até agora no Japão", pondera.

</p><p>Até agora, o Japão administrou 3,2 milhões de doses de vacinas contra Covid-19; ao todo, isso corresponde à imunização de 0,75% da população, segundo dados da Universidade Johns Hopkins de 30 de abril.

</p><p>O consulado fez uma identidade visual para o lema "Hamamatsu, a cidade mais brasileira do Japão", avalizada pelo prefeito Yasutomo Suzuki. Garcia ainda tem diversas ideias "no papel" para o pré-Olimpíada de Hamamatsu, como a realização de rodas de capoeira, pocket shows e festivais de culinária brasileira.

</p><p>"Estamos empolgados, otimistas todos, torcendo para que os Jogos aconteçam. E sempre de olho nas decisões do COI [Comitê Olímpico Internacional] e dos diretores da Tóquio-2020", afirma.

</p><p>Oficialmente, o clima otimista também está presente nas repartições da prefeitura de Hamamatsu.

</p><p>"Espero poder ser uma ponte entre os dois países [Japão e Brasil] e, apesar das restrições devido à pandemia, espero que os atletas brasileiros gostem da estadia em Hamamatsu e que os cidadãos de Hamamatsu se sintam felizes por ter acolhido a delegação brasileira", diz diplomaticamente a tradutora brasileira Amanda Kenzo, 21, que trabalha no departamento de esportes da cidade.

</p><p>Extraoficialmente, entretanto, se o megaevento acontecer, teme-se a disseminação do vírus e suas variantes, afirma à reportagem uma fonte próxima às organizações que preferiu não se identificar. A questão, segundo ela, não é nem mais os Jogos, mas o pós-Olimpíada.</p>