SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A realização do GP de São Paulo neste final de semana é uma carta guardada na manga do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para a guerra de narrativas com Jair Bolsonaro (sem partido) nas eleições de 2022.

Enquanto Lewis Hamilton e Max Verstappen seguirão na briga pela liderança da F1 no domingo (14), Doria transitará pelo autódromo de Interlagos como o vencedor de um embate com o presidente da República que se estendeu de 2019 a 2020.

"A renovação do contrato é uma vitória de São Paulo e do Brasil. Interlagos é o berço do automobilismo no Brasil e na América Latina. Daqui saíram alguns dos nossos melhores pilotos e lendas", afirma Doria à reportagem. "São Paulo é palco da F1 há mais de 30 anos e continuará a desempenhar esse importante papel com protagonismo mundial."

O prefeito Bruno Covas, morto em maio deste ano, tem grande parcela nessa vitória do governador. Foi ele quem deu início, durante o então GP Brasil, em novembro de 2018, às tratativas para estender o contrato de São Paulo com a FOM (Formula One Management), braço comercial da F1. Inclusive, sentiu-se frustrado quando chegou atrasado em uma entrevista coletiva na qual Doria foi o primeiro a anunciar a permanência da F1 até 2025. O vínculo com Interlagos, que recebe a categoria desde 1990, se encerraria com a prova de 2020.

Covas se viu num fogo cruzado quando soube que a Interpub, que organizava a corrida no Brasil, não pagava a taxa de promotor à FOM durante a gestão de Bernie Ecclestone. O inglês Ecclestone, amigo de Tamas Rohonyi, dono da empresa, havia isentado o país de 2015 a 2020.

Ecclestone vendeu o controle da FOM para o conglomerado americano Liberty Media. Sob o comando do executivo Chase Carey, a FOM exigia ao menos US$ 35 milhões (R$ 194 milhões) anuais para o Brasil continuar com a categoria. A oferta foi recusada pela Interpub.

Em paralelo às dificuldades de negociação com as autoridades paulistas, Carey embarcou para o Rio de Janeiro logo depois que Hamilton cruzou a linha de chegada no GP de 2018 e, na manhã da segunda-feira (12 de novembro), reuniu-se com o então prefeito Marcelo Crivella e o governador do estado, Luiz Fernando Pezão.

O empresário José Antonio Soares Pereira Júnior, conhecido como JR Pereira, diretor do consórcio Rio Motorsports, também esteve no encontro.

Em seus últimos dias de mandato, Pezão apresentou Wilson Witzel, o governador eleito, e colocou-se à disposição. Carey retribuiu a gentileza e, em tom descontraído, disse para o mandatário que ao acordar e ver o mar calculou que seria uma boa realizar a F1 no Rio.

Quase três semanas depois, no dia 29 de novembro, por volta das 6h, Pezão recebeu voz de prisão no Palácio das Laranjeiras, na Operação Boca de Lobo, desdobramento da Lava Jato no estado.

A cena serviu como pólvora para a equipe de Covas, que do prédio da Prefeitura de São Paulo disparou emails com as notícias e as imagens de Pezão sendo levado por policiais à cúpula da FOM.

O então prefeito de São Paulo designou uma força-tarefa, liderada pelo secretário municipal de Turismo, Orlando Faria, para não ficar sem a F1, sob a justificativa do evento ser um dos mais rentáveis para São Paulo, à frente, por exemplo, do Carnaval.

"O Bruno me incumbiu de fazer a negociação pela importância do grande prêmio. São R$ 700 milhões de retorno para a cidade entre serviços e comércio, segundo estudo da FGV [Fundação Getúlio Vargas]", diz Faria, atualmente secretário de Habitação.

Os paulistanos imaginavam que, com a oferta de US$ 10 milhões (R$ 55 milhões) anuais, convenceriam Chase. Quase foram enxotados. O consórcio Rio Motorsports já havia se comprometido em pagar US$ 65 milhões (R$ 360 milhões) -sendo US$ 35 milhões (R$ 194 milhões) pela taxa da prova no Rio de Janeiro e US$ 30 milhões (R$ 166 milhões) para adquirir os direitos de transmissão da F1 no Brasil.

A Rio Motorsports havia vencido, como o único interessado, a licitação para construção e operação por 35 anos de um autódromo na região de Deodoro, no Rio de Janeiro. A empresa prometeu gastar, com recursos privados, R$ 697 milhões com as obras da pista sobre a floresta de Camboatá.

No mês seguinte, Chase voltou ao Brasil e se reuniu com Witzel, Bolsonaro e o senador Flávio Bolsonaro no Palácio do Planalto. O presidente havia assinado um termo de cooperação com o objetivo de levar as provas para o Rio.

"É praticamente 99% a chance de termos a F1 a partir de 2021 no Rio de Janeiro", disse Bolsonaro, após o encontro.

Aliados no pleito de 2018, a dobradinha BolsoDoria já degringolava. A FOM, então, vislumbrou a possibilidade de fazer um leilão entre Rio e São Paulo. Covas ofertou US$ 25 milhões (R$ 138 milhões) pela renovação, o que não incluía os direitos de televisionamento.

A FOM curvou-se à proposta de US$ 65 milhões da Rio Motorsports e garantiu prioridade na negociação ao Rio de Janeiro até o dia 31 de outubro de 2020.

Interlagos corria o risco de nem sequer fazer uma despedida da categoria com o cancelamento do GP Brasil do ano passado em razão da pandemia. Ao mesmo tempo, o consórcio do Rio tinha dificuldade para aprovar o estudo de impacto ambiental (EIA) para poder dar início à construção do autódromo.

No dia 14 de setembro, Chase enviou uma carta para o governador Cláudio Castro -no lugar de Witzel, afastado sob suspeita de desvio de recursos públicos- na qual dizia que a FOM havia finalizado o acordo com a Rio Motorsports e anunciaria a F1 na cidade assim que todas as licenças fossem expedidas pelas autoridades. O problema é que era quase impossível entregar em tempo a construção do autódromo de Deodoro.

A FOM, pressionada por patrocinadores, como a Heineken e a Pirelli, para que o Brasil não ficasse sem a categoria, então, contentou-se com os US$ 25 milhões anuais e renovou com Interlagos por cinco temporadas. Desse montante, a Prefeitura é responsável por pagar US$ 15 milhões (R$ 83 milhões), e o governo estadual arcará com os outros US$ 10 milhões (R$ 55 milhões).

Somente a Heineken, que viu o Brasil se tornar o seu maior mercado, paga à FOM US$ 8 milhões (R$ 43 milhões) pelo naming rights da prova em Interlagos, batizado oficialmente como Fórmula 1 Heineken Grande Prêmio de São Paulo.

Em reta final de campanha à reeleição, em 24 de outubro de 2020, um sábado, Covas fazia uma carreata pelo bairro de Pirituba quando o telefone de Faria tocou. Na ligação, Chase questionava o secretário sobre quando o contrato seria assinado.

O prefeito festejou com o Faria, mas chegou atrasado na coletiva em que Doria anunciou o GP de São Paulo, no dia 12 de novembro -a três dias do primeiro turno da eleição municipal na qual derrotou Guilherme Boulos (PSOL).

Além da taxa paga à FOM, a prefeitura repassará à MC Brazil Motorsport Holding, que assumiu o papel que era da Interpub, R$ 100 milhões (R$ 20 milhões por cinco anos). A empresa ficará responsável pela montagem de toda a estrutura do evento e a sua organização. O município garante que fez um bom negócio. Somente esses gastos eram de, pelo menos, R$ 40 milhões por etapa.

"A F1 só perde para Copa, Olimpíadas e Super Bowl. Conseguimos coisas importantes. Primeiro, passa a chamar GP de São Paulo e teremos placas de publicidade para a cidade, além de manter a corrida em Interlagos", diz Faria.

A secretaria de Turismo do Estado informou, em nota à reportagem, que o retorno do investimento público se dá no impacto positivo da imagem mundial de São Paulo.

Em contrapartida ao pagamento da taxa, a Prefeitura de São Paulo ganhou espaço para publicidade na corrida e repassou quatro cotas à gestão Doria, no valor estimado de R$ 8 milhões cada uma.