PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) - Um dia antes de mais um clássico contra o Internacional, o Grêmio anunciou ações junto à organizada Geral do Grêmio. O objetivo, diz o clube, é "conscientizar e coibir cada vez mais atos de racismo nos estádios".

As medidas devem ser implementadas a partir do jogo deste sábado (19), pelas semifinais do Campeonato Gaúcho, no estádio Beira-Rio, casa do rival.

Mesmo local onde torcedores gremistas foram gravados entoando cânticos considerados racistas, dez dias antes, retomando um velho assunto no futebol gaúcho -o uso da palavra "macaco" para se referir à torcida colorada.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, torcedores gremistas presentes no estádio cantam: "Chora, macaco imundo, que nunca ganhou de ninguém".

Entre as medidas anunciadas pelo Grêmio estão a distribuição de material para conscientizar torcedores que forem ao estádio e o monitoramento por vídeo.

Ainda segundo o clube, a Geral vai regravar todas as músicas com "termos não aceitos pela sociedade atual" e produzir "faixas contra o racismo", além de outras ações que devem ser apresentadas nos próximos jogos.

"Desta forma, o Grêmio reforça o seu compromisso com o tema, na intenção de fazer do futebol um lugar de paz, união e respeito ao próximo", diz o clube.

Embora parte da torcida tente justificar o uso do termo "macaco", explicando a origem da adoção do mesmo e tentando afastá-lo de conotação racista, outro setor e o próprio clube rejeitam o uso em qualquer contexto hoje.

Nesta semana, o Grêmio foi denunciado pela Procuradoria do TJD-RS (Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Sul) pelo episódio no último Gre-Nal.

O procurador Alberto Lopes Franco entendeu que houve infração pelo artigo 243-G do CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), que prevê punição à prática de "ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".

"Se antigamente havia espaço para isso, hoje em dia não existe mais, inclusive por parte do Grêmio", disse ele à reportagem.

A FGF (Federação Gaúcha de Futebol) diz que "recusa o racismo em todas as suas formas de manifestação" e acompanha o caso com as autoridades competentes.

Segundo apurações iniciais do clube, o cântico teria sido puxado antes do início da partida e da chegada da banda da Geral do Grêmio ou dos líderes da organizada.

Em nota, a Geral também afirma que não estava dentro do estádio, dizendo que não aparecem a banda ou os trapos do grupo (bandeiras de tecido) nas imagens. "A Geral do Grêmio repudia e é contra qualquer tipo de preconceito", diz o texto.

Depois de episódios de racismo atrelados à torcida gremista -o mais conhecido deles os xingamentos direcionados ao goleiro Aranha, em 2014, na época jogador do Santos-, o clube investiu em ações e chegou a criar regramento impedindo a banda da Geral de usar cantos com "macaco".

A organizada afirma que, "há anos, retirou a palavra 'macaco' das músicas e materiais que representam a torcida".

"É importante frisar que o cântico não foi puxado pela Geral, mas, sim, por torcedores que estavam acostumados com as músicas antigas", disse a torcida em mensagem encaminhada à reportagem.

Outras torcidas gremistas também se manifestaram nas redes, mas cobrando ação do clube além da nota de repúdio divulgada.

"O fim do racismo nos estádios passa por atitudes firmes dos gestores dos clubes, mas, historicamente, pouco ou nada se vê a esse respeito no Brasil", disse a Grêmio Antifascista.

"Não há mais tempo para notas de repúdio ou debates sobre a origem de expressões. Combater o racismo no sentido prático da vez é eliminar imediatamente o uso da expressão macaco ou macacada nas letras dos cânticos que insistem em ecoar nas arquibancadas e demais setores", publicou a Tribuna 77.

O grupo espalha por Porto Alegre imagens de personalidades que são parte do história da agremiação tricolor, como o jogador Tarciso Flecha Negra, o compositor Lupicínio Rodrigues e o torcedor Bombardão, todos eles negros, além de cartazes com a frase: "Ama o Grêmio, combate o racismo".

O jornalista e escritor Léo Gerchmann, autor de "Somos Azuis, Pretos e Brancos" (L&PM, 2015), avalia que o assunto é complexo no contexto da dupla Gre-Nal.

A justificativa histórica para se referir à torcida colorada com a palavra "macaco", por um tempo, lembra ele, foi o fato de que alguns torcedores se penduravam em árvores para ver jogos do time, no antigo Estádio dos Eucaliptos. Depois, gremistas passaram a dizer que era uma referência a imitações feitas pelos colorados.

"Essa mensagem chega como racista porque hoje a palavra macaco tem conotação racista. Ao mesmo tempo, o Inter adotou essa coisa do macaco como mascote, e isso faz com que o gremista se sinta respaldado para dizer que é mascote, como o porco do Palmeiras, e continuar fazendo", explica.

"O gremista que canta isso é burro, porque, além de estar cantando algo que é racista, deveria saber que está fazendo uma coisa contra o próprio clube."

Conhecido como "Gaúcho da Geral", o deputado estadual Juliano Franckzak (PSD) defende que a torcida não é racista e que o racismo é um problema de toda a sociedade -ele lembra a estrela na bandeira, que representa Everaldo, único gremista na seleção tricampeã em 1970.

"As medidas tomadas contra atos racistas ainda são muito tímidas e insuficientes, sejam no meio futebolístico ou judicial", diz.

"A solução passa por punições individuais, além de forte investimento em campanhas de inclusão, educação e igualdade. Não acredito em punições ao clube ou às torcidas de forma geral."

Alexandre Bugin, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Grêmio, diz que o clube vem fazendo campanhas para mudar a imagem desde o episódio com Aranha, mas em 2019 reuniu departamentos para montar uma estrutura que fosse além delas.

Bugin, que é também coordenador do Clube de Todos, projeto contra racismo e intolerância junto a torcedores, funcionários e público em geral, diz ainda que o clube trabalha na inclusão de um capítulo sobre luta contra preconceito em seu estatuto, com penalidades mais claras.

"Qual o objetivo de longo prazo? É que a pessoa preconceituosa, racista, sinta-se constrangida de estar no ambiente do clube", diz ele.

"Vamos intensificar campanhas e atividades e vamos focar mais na questão dos cânticos, mostrar que eles têm um caráter ofensivo", afirma.

O vice-presidente de relacionamento social do Internacional, Cauê Vieira, diz que a apropriação da figura do macaco pelos próprios colorados é uma forma de "atenuar o poder da narrativa preconceituosa".

"A apropriação do símbolo em momento nenhum retira a intenção e a atitude criminosa de quem o utiliza para ofender e segregar", ressalta.

Para Marcelo Carvalho, diretor executivo e idealizador do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a discussão em torno do uso do termo "macaco" parecia ter avançado, mas o episódio confirmou que os cânticos têm voltado.

"O futebol não está ficando chato porque tu não pode mais ofender uma pessoa, não existe uma galera chata que quer lacrar. Estamos falando de algo que há muitos anos as pessoas reclamavam e não tinham espaço. Hoje, elas têm espaço, oportunidade, e são ouvidas", avalia.

"Por outro lado, tem uma parcela significativa de pessoas reacionárias, racistas, homofóbicas, que reclamam que o futebol sempre permitiu que elas fossem dessa forma, e elas querem continuar. O futebol precisa passar mensagem firme, que não é um lugar onde as pessoas possam expressar ódio. Começa com discurso de ódio e vai acabar na violência física que também estamos acompanhando."

O Gre-Nal disputado no dia 9 de março foi um jogo remarcado no final de fevereiro, depois que o ônibus do Grêmio foi apedrejado -o jogador Mathias Villasanti foi ferido.