Dono do meio de campo da Itália, Jorginho busca consagração contra Inglaterra
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sábado, 10 de julho de 2021
JOSUÉ SEIXAS
MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) - Aos finais de semana, quando morava em um convento em Verona, Jorginho sentia-se só. Os outros meninos, italianos, iam para casa ficar com suas famílias. O ítalo-brasileiro, no entanto, tinha deixado Imbituba, pequeno município de Santa Catarina, com somente 40 mil habitantes, para se tornar jogador profissional.
Naquele distante 2007, ainda que sonhasse com o sucesso ao colocar a cabeça no travesseiro e treinasse até nos intervalos, Jorginho -hoje com 29 anos- não imaginava viver uma final de Champions League seguida de uma decisão de Eurocopa. A realidade ultrapassará o sonho neste domingo (11), às 16h, em Wembley, quando a Itália enfrentará a Inglaterra (Globo e SporTV transmitem).
"Eu morri de saudades quando vi o Jorginho indo atrás desse sonho. Ele foi muito corajoso. Eu trabalhava como faxineira naquela época, e ele me pediu um pouco dinheiro para ajudar ele a se manter lá. Eu não tinha. Cortou meu coração negar isso a ele, mas eu sabia que ele iria vencer. Meu filho jogava descalço aqui em Imbituba e nunca se esqueceu disso", conta a mãe de Jorginho, Maria Tereza.
Para aplacar a saudade, o menino que recebia cerca de 20 euros por semana comprava cartões telefônicos, encontrava um horário que fosse bom no Brasil e na Itália e gastava as economias atualizando a família de como tinham sido os últimos dias.
Jorge, o pai de Jorginho, também sofria com a ausência do "menino magrinho". Ele conta que chorava de um lado e ouvia o filho chorando do outro, mas que sempre deu as direções necessárias para o jovem seguir o sonho. Se algo desse errado, dizia para o garoto que ele poderia procurar o consulado brasileiro na Itália para enviá-lo de volta ao país. "Iria buscá-lo em qualquer lugar", lembra.
"Eu nunca conseguiria levar o Jorginho para a Itália com o meu dinheiro. Estava desempregado na época até. Ele passou por algumas dificuldades e tinha poucas oportunidades no começo, mas eu dizia a ele: 'meu filho, você só precisa de um jogo para mostrar seu talento'. Dito e feito. Jorginho é muito forte. Dos 13 aos 16, ele comia a mesma coisa nos três horários, vivia de banho frio e longe da família. Quando ele ficava desanimado, eu fazia ele sempre olhar para frente, para onde queria chegar."
Jorge, que chegou à Europa em março para assistir à reta final dos jogos do filho, pediu para ficar mais tempo. Estava em Portugal no título da Champions League e estará neste domingo em Wembley para assistir à final. Nos jogos, o nervosismo bateu em vários momentos, especialmente nas cobranças de pênalti contra a Espanha. A tranquilidade só veio quando Jorge viu Jorginho pegar a bola para bater o último. 'Estamos classificados', pensou.
A solidão, é claro, não acompanhou Jorginho por muito tempo. O goleiro Rafael, que no momento está sem clube, apadrinhou os meninos brasileiros que moravam no convento. Dez anos mais velho, era Rafael quem dava as caronas ou convidava ele para irem comer um churrasco brasileiro, jogar boliche, conversar um pouco. Era a forma de passar um pouco de conforto aos que tinham deixado a própria casa tão cedo.
"O jogador de futebol gira pelo mundo muito cedo. Naquela época do Hellas Verona, tanto os meninos quanto eu precisávamos desses momentos para manter a cabeça no lugar. O Jorginho era um deles. Ele estudava de manhã e treinava à tarde, mas ficava analisando alguns jogadores depois do treino. Assistia muito futebol, via como os caras batiam na bola... Ele sempre foi muito pra cima. Não lembro de ver o Jorginho sem sorrir", conta.
Além de amigos, os dois eram rivais dentro de campo. Ao fim dos treinos, especialmente quando Jorginho voltou de um empréstimo ao Sambonifacese e já estava mais maduro, o meio-campista queria treinar as suas cobranças de pênalti. Sempre apostavam alguma coisa, nem que fosse um jantar.
"Ele batia bem, mas não tinha essa técnica de hoje. Como eu sou goleiro, tinha que ficar treinando com ele e aí sempre tinha alguma brincadeira. Ele é muito brincalhão, para falar a verdade. As regras do futebol mudaram, e o Jorginho se adaptou. Hoje, o goleiro tem que ficar com um pé na linha, e essa cobrança dele é ainda mais difícil de pegar por conta dessa obrigação", analisou Rafael.
Enquanto Jorginho hoje se posiciona mais perto da defesa do que do ataque, distribuindo o jogo e sendo responsável pela bola parada, as coisas eram diferentes em Imbituba. Orientador técnico e coordenador do Vila Nova, uma escolinha do município que funciona até hoje, Mário Júnior conta que o ítalo-brasileiro era mais atacante.
"Nas conversas entre os professores, nós sempre elogiamos o Jorginho. Tinha uma brincadeira de cobranças de faltas e pênaltis que os meninos faziam e quem perdia tinha que sair da brincadeira. Ele sempre foi um dos últimos. Dos 9 aos 14 anos, tive o prazer de treiná-lo e hoje posso dizer que ele é um orgulho para a nossa cidade. Nunca mudou: é educado, carismático. Uma pena que joga pela Itália", brincou o técnico.
O empresário de Jorginho, João Santos, não o conheceu no Brasil. A relação começou somente na Itália, com a chegada do meio-campista ao Hellas Verona. João acompanhou os momentos mais difíceis, como as lesões, as dúvidas e as cobranças da torcida. Tudo ficou para trás.
"Ele é um cara que se adapta bem ao estilo de jogo e encaixou ainda mais com o esquema do Thomas Tuschel [no Chelsea]. Eu conheci o Jorginho nas épocas de dificuldade e é assim que se conhece alguém, sabe? Ele nunca baixou a cabeça. Hoje, está colhendo os frutos da perseverança. Ele tem muitos troféus a disputar com o Chelsea e ficará com o clube. Estou aqui em Londres para vê-lo campeão no domingo", disse João.
A temporada de Jorginho pode credenciá-lo ao prêmio de melhor do mundo. Um dos líderes do Chelsea na explosiva conquista da Champions League em cima do Manchester City de Pep Guardiola e responsável por controlar o meio de campo da Itália nesta Eurocopa, o ítalo-brasileiro pode seguir caminho parecido com o de Luka Modric, vice-campeão mundial em 2018 pela Croácia e eleito o principal jogador do planeta naquele ano.
Só falta um jogo.