DO LADO DE FORA...
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quarta-feira, 05 de janeiro de 2000
Osmani Costa
De Londrina
Às 15h30 de ontem, exatamente uma hora antes do início do treino da Seleção Brasileira, começou a aumentar o movimento de pessoas nas proximidades do Estádio Vitorino Gonçalves Dias (VGD), na área central de Londrina. Sob um forte calor, a presença de policiais militares (PMs) também já era significativa; eles estavam espalhados em pontos estratégicos dentro e fora do estádio.
Diferentemente de anteontem, às 15h45 do segundo dia de treinamento ainda eram pequenas as filas nas bilheterias. O preço único de R$ 2,00 pela entrada começa a irritar parte da torcida, que reclama pela gratuidade ou um valor menor. Às 16h05 chega o ônibus oficial da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com os jogadores e a comissão técnica.
A chegada da delegação brasileira foi saudada pela torcida com aplausos e gritos dos nomes de jogadores e do técnico Wanderley Luxemburgo. Entre os torcedores que cercaram o ônibus mas quase nem viram seus ídolos por causa do cordão de isolamento feito por PMs estava o microempresário Eurípedes Gonçalves, 49 anos, três filhos e residente em Cambé (13 km a oeste de Londrina).
Gonçalves faz parte de uma parcela especial da torcida, que transita pelas redondezas do VGD enquanto a Seleção treina, mas não entra no estádio por diversos motivos. Este horário é complicado, estou em Londrina a trabalho. Passei aqui por curiosidade, para tentar ver pessoalmente algum jogador, mas não tenho tempo para assistir ao treinamento, explicou o dono de uma pequena gráfica.
Na opinião dele, é muito importante para Londrina e região a realização do torneio Pré-Olímpico na cidade. Pretendo assistir alguns jogos, dentro das minhas possibilidades. Gosto muito de futebol, mas acho que cobrar para o povo ver treinamento é um pouco exagerado; deveria ser gratuito, afirmou Gonçalves, que é torcedor do Londrina e do Santos desde a época de Pelé.
Quem veio de longe também para tentar ver os jogadores brasileiros foi o índio caigangue Luiz Gino, 37 anos. Ele foi ao VGD acompanhado pela mulher Zauirda e pelo filho Valdeir, 2 anos. Flamenguista doente o filho vestia a camisa do time carioca , ambos da equipe recentemente campeã da Copa Mercosul.
Esta é a primeira vez que tenho esta oportunidade, pena que o ingresso esteja tão caro. Acho que deviam cobrar, no máximo, R$ 0,50. Dois reais por pessoa é demais, para a gente que é pobre, comentou o índio, que veio da reserva de São Jerônimo da Serra (140 km a leste de Londrina). Ele, a mulher e o filho aguardavam a chegada de um grupo de índios para saber se teriam o dinheiro para entrar no estádio. Caso consiga entrar, vou realizar um sonho de criança, porque gosto muito de futebol e da nossa seleção.
Num dos campos de grama sintética do Spider Ball, em frente ao Vitorino Gonçalves Dias, 12 pastores jogaram futebol ontem das 16 às 18 horas, alheios a toda movimentação provocada pela presença da Seleção Brasileira pré-olímpica. Um dos líderes do grupo, o falante pastor João Andrade, 35 anos, contou que o grupo joga todas as terças-feiras, chova ou faça sol.
De acordo com Andrade, que é goleiro, este é um momento de lazer e de condicionamento físico sagrado para os pastores. Hoje, com a vizinhança da seleção, a nossa responsabilidade aumenta, observou. Vai que o Luxemburgo mandou algum espião para assistir o nosso jogo aqui em busca de algum craque, brincou Andrade, para quem uma partida de futebol deve ser encarada com bom humor e como um momento de distração.
Já as irmãs Jane e Jocelaine Isaias, vindas de São Paulo, vão ao VGD nas tardes de treinamento na tentativa de ganhar algum dinheiro extra. Elas montam a mesinha numa das entradas do estádio e fazem pintura facial em crianças e adolescentes.
Viemos passar as férias na casa da vovó Paulina para descansar e também para assistir aos jogos do Pré-Olímpico. Como temos as tardes livres, aproveitamos para trabalhar um pouco. Estamos unindo o útil ao agradável, ressaltou Jane, que é professora primária na capital paulista.
Em São Paulo, as irmãs cobram normalmente R$ 2,00 pela pintura facial. Em frente ao estádio do VGD, elas estão fazendo o serviço por R$ 0,50. Pintamos paisagens, figuras e muitos motivos diferentes, nas mais variadas cores. Mas aqui, os que estão sendo mais pedidos são a bandeira brasileira e margaridas com as cores verde e amarelo, disse Jocelaine.
Quem descobriu uma maneira de assistir aos treinos da Seleção do local do próprio trabalho foram alguns funcionários e estudantes estagiários da Maternidade Municipal, cujo prédio é separado do VGD no gol de fundo por um muro baixo. Mesmo sem querer se identificar, por medo de represália da direção do órgão, os funcionários garantiram que só vão para a sacada dos fundos da maternidade, para ver a movimentação dos jogadores, depois de terminado o turno de trabalho de cada um deles.
É bom ver daqui porque é de graça. Mas é meio longe, não dá para ver direito; nos próximos dias vamos trazer binóculos, afirmou uma enfermeira que disse ser fã número um do meia-atacante palmeirense Alex. Eu não torço para o Palmeiras e nem para a seleção, torço para o Alex. Mas, por favor, coloca aí na reportagem que já são quase cinco horas da tarde, e nosso plantão terminou à uma da tarde. Não estamos aqui vendo treino de futebol em horário de trabalho.

