SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A demissão do diretor de esportes do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Jorge Bichara, é o começo precoce do processo eleitoral da entidade, que terá novas eleições apenas no final de 2024.

Dirigentes de diferentes confederações nacionais veem na decisão do atual mandatário Paulo Wanderley o desejo de se candidatar mais uma vez ao cargo e romper um acordo anterior feito com seu vice, Marco La Porta. Foi acertado entre eles, antes do pleito de outubro de 2020, que La Porta seria o sucessor.

De acordo com a Lei Pelé, promulgada em março de 1998, presidentes de entidades esportivas podem se reeleger apenas uma vez. Wanderley já procurou advogados para alegar que seu primeiro mandato (a partir de 2017) foi tampão e não deveria ser computado nas regras eleitorais.

Ele era vice e assumiu o principal posto do Comitê após o afastamento de Carlos Arthur Nuzman, acusado de corrupção e compra de votos na escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. Somente no pleito de 2020 é que Wanderley venceu nas urnas.

Há discordâncias entre dirigentes e advogados, que apontam brechas no artigo 18 da Lei Pelé. O dispositivo diz que "somente poderão receber recursos da administração pública federal direta e indireta caso seu presidente ou dirigente máximo tenha o mandato de até quatro anos, permitida uma única recondução".

O trecho foi incluído na legislação em 2013 e passou a valer em abril de 2014. As eleições das confederações seguem os ciclos olímpicos. Acontecem no ano dos Jogos ou no seguinte: em 2020 ou 2021, e, antes, em 2016 e 2017.

No ano passado, a Secretaria Especial do Esporte negou, por exemplo, a renovação da certidão para a CBV (Confederação Brasileira de Voleibol) em razão da reeleição de Walter Pitombo Laranjeiras, o Toroca. Ele assumiu o cargo em 2014, já com a lei vigente. Foi eleito em 2017 e novamente em 2021. O entendimento da secretaria é de que o atual seria seu terceiro mandato e, por isso, a certidão não foi renovada.

A Confederação acionou a Justiça alegando que, quando o mandatário assumiu o cargo pela primeira vez, não havia sido eleito para presidente, mas conduzido à presidência após a renúncia de Ary Graça.

A secretaria se baseou em pareceres de sua consultoria jurídica e em uma recomendação da AGU (Advocacia-Geral da União) para negar certidão à CBV. O órgão afirma que deve ser respeitado o tempo do mandato em vigor, mesmo superior a quatro anos, mas que o pleito seguinte à lei deve, sim, contar para a limitação de reeleições.

A CBV obteve uma liminar favorável em um processo, que corre sob segredo de Justiça, e teve sua certidão renovada.

O orçamento do COB para este ano é de R$ 388.246.000,00. Deste total, R$ 326 milhões serão destinados para ações esportivas. Para as confederações olímpicas, o Comitê deverá repassar R$ 165 milhões. O dinheiro é oriundo das verbas de loterias.

A demissão de Bichara, um dirigente popular entre os atletas e apontado como um dos responsáveis do melhor resultado brasileiro na história dos Jogos Olímpicos, surpreendeu também presidentes de confederações ouvidos pela reportagem. A mudança foi decidida de maneira isolada por Wanderley. O único que ficou sabendo antes do anúncio foi o diretor-geral Rogério Sampaio.

Bichara é visto como alguém próximo a La Porta. O demitido diretor tem oferta para ocupar cargo na Secretaria Especial do Esporte do governo federal.

Nesta quinta-feira (24), o COB anunciou que o cargo de diretor de esportes será dividido entre Ney Wilson e Kenji Saito. Wilson vai responder pelo Alto Rendimento, e Sato, pelo Desenvolvimento Esportivo. Ambos trabalharam na CBJ (Confederação Brasileira de Judô).

Este é outro problema apontado por pessoas ouvidas pela Folha. Ex-técnico da seleção e ex-presidente da CBJ, Wanderley tem se cercado de pessoas da modalidade, como Sampaio, medalhista de ouro em Barcelona-1992.

Parte da cartolagem vê nisso um desejo do mandatário de receber maior reconhecimento pelos resultados das delegações do país em competições esportivas. Algo que em Tóquio-2020 foi creditado, em parte, a Bichara.

Nos Jogos realizados no ano passado, o Brasil atingiu seu recorde de medalhas. Foram 21, sendo 8 de ouro, 6 de prata e 8 de bronze. Terminou em 12º na classificação final.

"Nós não vamos ser 20º, mas também não seremos o quinto neste curto espaço de tempo. A gente está naquele bolo ali do oitavo ao 15º. Eu não pretendo descer um pouquinho. Só quero subir um pouquinho. Falam que às vezes é melhor andar para trás para pegar um impulso, mas é melhor não. Vai que escorrega, não é?", disse ele, em entrevista à Folha de S.Paulo.

O objetivo não declarado é terminar entre os dez melhores em Paris.

No último final de semana, durante o 2º Congresso do COB, em Salvador, Bichara estava relaxado e falava sobre os planos imediatos para o esporte nacional.

Era fato conhecido entre os dirigentes que diretor e presidente não concordavam em tudo e já haviam brigado nos últimos meses, mas não se esperava que alguma medida drástica fosse tomada e sem qualquer sinalização prévia.

A reação dos atletas foi imediata. Vários deram declarações de apoio a Bichara.

"Ao longo uma vida de dedicação ao movimento Olímpico no Brasil, 17 anos no COB, Jorge Bichara mudou vidas, ajudou a realizar sonhos, a transformar o menino que se divertia na aulinhas de natação em medalhista olímpico", disse o nadador Bruno Fratus, medalha de bronze em Tóquio.

"Mais do que com a minha carreira, ele se preocupou com o meu futuro me orientando até na minha parte estudos. Se ele fez isso por mim, que sou de uma modalidade pequena nesse país do futebol, imagina o que ele já fez para o esporte brasileiro, não é a toa que ele quebrou recordes em Lima-19 e em Tóquio-20", escreveu em sua conta no Instagram Ygor Coelho, principal nome do país no badminton.

A Folha entrou em contato com a assessoria de imprensa do COB para pedir uma posição do presidente Paulo Wanderley sobre o assunto. Em resposta, a entidade informou que os novos diretores de esportes darão entrevista nesta sexta-feira (25). Jorge Bichara não atendeu aos telefonemas.