TÓQUIO, JAPÃO (FOLHAPRESS) - Ao ver Isaquias Queiroz ultrapassar a metade do percurso de 1.000 metros da prova C1 da canoagem velocidade, neste sábado (7), o técnico Lauro de Souza Júnior já sabia que a medalha de ouro viria.

O ritmo confortável que o atleta imprimia na canoa era o que dava a certeza ao treinador, conhecido como Pinda, 36, de que ninguém tiraria o primeiro lugar do brasileiro.

Isaquias não costuma participar de tantas competições, mas o treinamento intenso e regrado na base de Lagoa Santa (região metropolitana de Belo Horizonte) permite que ele e sua equipe saibam o que precisam fazer para obter o melhor desempenho no momento certo: campeonatos mundiais e Olimpíadas.

Pinda tem uma longa trajetória na canoagem brasileira. Em 2013, quando Jesús Morlán foi contratado pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) para alavancar os treinamentos dos atletas da elite visando principalmente à Rio-2016, ele se tornou seu auxiliar e decidiu "resetar a cabeça" para absorver os conhecimentos do espanhol.

Antes de chegar ao Brasil, Morlán havia sido treinador de David Cal, canoísta espanhol que ganhou cinco medalhas olímpicas de 2004 a 2012.

Nos Jogos do Rio, o Brasil conquistou suas três primeiras medalhas na canoagem (duas pratas e um bronze), todas com a participação de Isaquias. A revolução no esporte era real, mas parecia ameaçada dois anos depois, quando Jesús não resistiu a um câncer no cérebro.

Coube a Pinda, que além de ser auxiliar técnico morou junto com o espanhol, não deixar o ritmo diminuir. Ele assumiu o comando dos trabalhos numa situação delicada, na época, a menos de dois anos das Olimpíadas de Tóquio, que depois seriam adiadas pela pandemia.

"No dia em que ele faleceu, a gente [equipe técnica] se reuniu e prometeu que seguiria remando para buscar o ouro que faltou no Rio", afirmou o treinador. Na sua camiseta estava escrito à caneta: "Suso Morlán, o ouro é seu".

"O meu maior medo era frustrar o Jesús. Ele me ensinou tudo na parte profissional, foi um pai para mim, e eu tinha essa responsabilidade de mostrar que ele me escolheu corretamente."

Observador, Pinda aprendeu tudo o que pôde observando os treinamentos e depois deu continuidade à execução da metodologia aplicada por Jesús. "Acabei ficando com o olho muito treinado, e acho que o grande diferencial foi a parte técnica, que a gente conseguiu evoluir muito do que já era bom."

O desempenho de Isaquias na prova deste sábado em Tóquio mostrou que de fato seu nível estava bem acima do apresentado pelos rivais.

"Fazia tempo que a gente não via uma prova tão dominante assim. É fruto do trabalho e do talento do Isaquias. A gente se dedicou muito, abriu mão de muita coisa, para isso. Eu falei há dois meses: 'Cara, o ouro é seu. Você precisa fazer o que faz nos treinos'", contou Pinda.

A medalha de ouro foi vista pelo COB como a coroação de uma de suas principais apostas feitas antes da Rio-2016, com o objetivo de perdurar por pelo menos três ciclos olímpicos (até 2024). Os investimentos na contratação de Jesús e na montagem do centro de treinamento de Lagoa Santa se materializaram em quatro medalhas olímpicas até agora.

A conquista de Isaquias neste sábado também teve forte carga emocional. Diretor de esportes do comitê, Jorge Bichara é muito ligado ao trabalho da canoagem e desabou no choro em Tóquio, lembrando que a medalha significava o cumprimento de um pacto firmado por todos após a morte de Jesús.

Passada a vibração com a conquista, será fundamental pensar no futuro do desenvolvimento do esporte no país, para que o momento não se perca. O resultado de Isaquias ajuda a manter a modalidade em evidência, mas não é garantia financeira, como já mostrou o último ciclo.

Mesmo após o resultado histórico na Rio-2016, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cortou o investimento no ano seguinte, e a confederação perdeu sua principal fonte de financiamento.

"Meu sonho é tornar o Brasil uma potência na canoagem, que nós ainda não somos. Potência é quando sai um campeão e vem outro. A gente precisa ter criança remando, centros de treinamento permanentes para a base, clubes fortes", projeta Pinda.

"Após o Rio, outros centros foram inaugurados, e a gente sabe que leva um tempo para vir o fruto desse investimento. Eu não tenho dúvidas de que a gente vai conseguir colher esses frutos, mas precisa agora dar um segundo passo, que é formar treinadores para conseguir uma metodologia de trabalho."

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