SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A CPI da Chapecoense quer ouvir Celia Castedo Monasterio, a controladora do voo da LaMia, antes que ela seja extraditada para a Bolívia. O problema é que a comissão está suspensa por causa da pandemia e só deverá ser retomada logo após o encerramento de outra, a da Covid.

Celia foi presa em Corumbá, no Mato Grosso, na última quinta-feira (23), pela Polícia Federal, após autorização de Gilmar Mendes, do STF (Superior Tribunal Federal). O ministro também determinou a extradição da mulher.

"Alguma coisa aconteceu e ela sabe. A gente precisa tirar isso dela", afirma o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), relator da CPI.

Depois de reprovar o primeiro plano de voo apresentado pela companhia boliviana LaMia, ela assinou outro documento apresentado em seguida. Este desrespeitava as normas aeronáuticas. Não previa um plano B de aterrisagem e não contemplava uma reserva de combustível.

Em sua defesa, Celia afirma que a obrigação de fiscalizar o assunto era dos funcionários de pista do aeroporto de Santa Cruz de la Sierra. Em vez de fazê-lo, eles entraram na aeronave para tirar fotos com jogadores da Chapecoense que viajavam para a final da Copa Sul-Americana de 2016.

Horas depois, na noite de 28 de novembro (hora colombiana), o avião caiu nas cercanias de Medellín. Das 77 pessoas que estavam a bordo, 71 morreram.

A controladora estava refugiada no Mato Grosso desde 2016. Ela alega ser perseguida na Bolívia, onde é acusada de crime contra a segurança do espaço aéreo.

"Seria emblemático para o caso ela ser ouvida para dizer se houve interferências superiores ou políticas. Poderíamos salientar as responsabilidades dos organismos aéreos sobre o voo", lembra Marcel Camilo, advogado de famílias de vítimas do acidente.

Izalci acreditada que será mais difícil conseguir ouvir Celia após a extradição. O senador não descarta fazê-lo mesmo que seja por teleconferência.

Há outros depoentes que a CPI quer ouvir. Entre eles, representantes da Petrobras e da Caixa Econômica Federal.

Existe o componente da pressão política. O seguro da aeronave ainda não foi pago e a Tokio Marine Kiln (resseguradora da apólice) tem contratos com as estatais. A ideia é envolver o governo federal no assunto.

"O Executivo pode pressionar", concorda Izalci.

A seguradora da aeronave era a Bisa, empresa boliviana que fechou seu escritório no Brasil depois do acidente. Tokio Marine Kiln e Aon (corretora do seguro) se recusaram a pagar porque a LaMia estava inadimplente e a viagem tinha como destino final a Colômbia, país que, segundo a apólice, a empresa estaria proibida de voar.

Há a discussão quanto aos valores do seguro. A apólice vigente era de US$ 25 milhões (R$ 132,5 milhões em valores atuais).

Advogados da Podhurst Orseck, escritório americano contratado para abrir um processo contra seguradora e corretora nos Estados Unidos, contestam isso. Apresentam troca de e-mails entre Loredana Albacete, filha do dono da aeronave, Ricardo Albacete, com a Aon negociando valores. O seguro original era de US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,6 bi em valores atuais).

Como a LaMia não conseguia pagar as prestações, a ação das famílias afirma que a Aon apresentou a Loredana duas opções: uma de US$ 50 milhões (R$ 265 milhões) e outra de US$ 25 milhões. A empresária escolheu a mais barata. O argumento dos advogados é que a apólice deveria ter aumentado, não ter o valor reduzido, já que a companhia aérea começara a transportar jogadores de futebol.

No ano passado, um juiz da Flórida deu procedência à causa, sinalizando que esta deve seguir adiante e colocou o valor do processo em US$ 844 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões em valores atuais).

Aon e Tokio Marine Kiln fizeram pedido à Justiça inglesa para que fosse interrompido o processo nos Estados Unidos. Em primeira instância, isso aconteceu. Uma audiência está marcada para o final deste ano.

"Fomos surpreendidos por essa ação na Inglaterra. Isso mostra cada vez mais as responsabilidades dessas duas empresas com os fatos ocorridos", contesta Camilo.

Consultado pela reportagem, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que não comenta eventuais processos de extradição em andamento. A pasta afirmou ainda que a execução da entrega para a extradição só será apreciada pelo órgão após o esgotamento de todos recursos possíveis de serem apresentados ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Aon disse expressar "solidariedade a todos os atingidos por esse trágico evento" e que respeita o "desejo das vítimas e dos familiares de que o caso seja discutido em um tribunal".

A seguradora afirma na nota que tomou medidas legais na Europa para "garantir que qualquer disputa contratual entre a Aon Reino Unido e a companhia aérea LaMia seja examinada por um tribunal na jurisdição apropriada, conforme previsto no acordo comercial entre as duas partes".

"O papel da Aon, como corretora, é ajudar seus clientes a contratar seguro e resseguro junto a seguradoras e resseguradoras, que por sua vez decidem sobre o pagamento de indenizações. É decisão do cliente decidir quais coberturas e limites ele optará por adquirir", completa.

A reportagem entrou em contato com a Tokio Marine Kiln, que disse que não irá comentar a reportagem.

Colaborou Marcelo Rocha, de Brasília